Os benefícios do método da escuta ativa
Para convencer, é preciso ouvir!
“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.." – Rubem Alves
A negociação com enfoque na escuta ativa é baseada nos méritos e ganhos mútuos. Existe a preocupação em se ter a percepção correta a respeito dos interesses do outro lado.
Conforme veremos, não somente na seara negocial, como na área de vendas, resolução de conflitos e até mesmo no âmbito de planejamento patrimonial e governança familiar, há evidências quanto a sua importância no sucesso destas investidas.
Mas, afinal de contas, qual a diferença de ouvir e escutar? Ouvir é um processo mecânico referente ao sentido da audição, portanto, involuntário, a não ser que tape os ouvidos. Já escutar é uma ação que depende da sua vontade em prestar atenção (intencionalidade), ou seja, há uma ação voluntária – escuta ativa - que envolve a inteligência para compreender o conteúdo verbalizado.
A chamada escuta ativa não é um tema novo, tendo sido originada da psicologia clínica (GORDON, 2000). Podemos dizer, que a escuta ativa acontece quando uma pessoa fala e a outra a ouve, interpretando e compreendendo o que está sendo dito.
O psicólogo Carl Rogers[1] aponta que, para ouvir realmente, é preciso realizar uma escuta profunda, em que "as palavras, os pensamentos, a tonalidade dos sentimentos, o significado pessoal, até mesmo o significado que subjaz às intenções conscientes do interlocutor" são escutados”.
Dentro deste estudo, o autor aponta a existência de verdades ocultas; por trás de uma mensagem que parece pouco importante, pode haver gritos profundos que a pessoa, ao mesmo tempo, gostaria e não gostaria de comunicar, portanto, é preciso acessar e entender esses significados, visando a obtenção de preciosos insights, para diversas aplicações.
Por mais óbio que seja, escuta ativa significa saber ouvir muito antes de falar – é preciso demonstrar interesse pelo que o outro está falando, sem interrompê-lo, sem dar conselhos.
O primeiro objetivo da escuta atenta e ativa é entender o interlocutor e seu mapa mental como produtor de ideias. A partir daí, teremos um cenário mais rico e complexo para negociar diferenças.
A escuta ativa permite uma compreensão mais profunda das perspectivas dos outros. Ao se concentrar nas palavras, no tom de voz e na linguagem corporal, captamos nuances e sentimentos que podem não ser expressos explicitamente – conexão.
Sob este viés, a escuta ativa transcende a área da psicologia clínica, sendo alçada como uma importante soft skill para a área de negociação, vendas, resolução de conflitos, política organizacional corporativa, planejamento patrimonial das famílias, condução de seminários e lives, dentre outras.
Comecemos pela negociação. É uma arte e técnica de criar riquezas e oportunidades, devendo, portanto, ser construída conforme a demanda e perfil de interlocutor que surgir.
Deste modo, não basta ao negociador ser persuasivo; ter o controle da conversa e um argumento invencível para o seu êxito, porquanto, muitas informações e gatilhos poderosos serão somente conhecidos por meio da escuta ativa. Não podemos olvidar do elemento humano, representado por perfis heterogêneos de interlocutores, cuja dificuldade pode ser solvida por meio de rapport trazido pela escuta ativa, tornando-os parceiros em vez de oponentes.
É, portanto, um importante mecanismo de reciprocidade para obter melhores resultados, mormente na área negocial de recuperação de créditos; cria conexão, ao entender melhor os motivos da inadimplência, as dores dos clientes, obtidos pela empatia de “falar e ser ouvido” em via de mão dupla, extraindo-se, desta ação, gatilhos e melhores argumentos, cenários e por conseguinte, melhores acordos, sem ruídos.
Por sua vez, na área de vendas, ao mergulhar no problema do cliente e de seu universo; seus hábitos, costumes e etc., o vendedor pode oferecer a solução correta, bem como, itens que não estavam na camada de necessidades daquele, impulsionando a conversão de vendas e melhores índices quanto ao ticket médio.
A título ilustrativo, trago o exemplo de um cliente interessado por um tênis esportivo, por ser adepto de caminhadas. Desta forma, o vendedor por meio da escuta ativa, cria além deste objeto de compra, desejos àquele, por palmilhas, meias, acessórios, como o suporte de celular na corrida, de forma espontânea, fidelizando o cliente.
Destacamos agora as suas benesses na área de resolução de conflitos, com enfoque na pessoa do líder.
Como bem leciona o Professor John Adair (ADAIR, 2018), o líder deve ter um relacionamento com o grupo como um todo, como se fosse uma pessoa individual, citando exemplo de um general habilidoso que dirige o seu exército como se ele fosse um único homem, para que se dediquem à tarefa deles.
De forma paralela, grupos ou equipes são heterogêneas, cada um com seu conjunto de necessidades singulares. Assim sendo, ressalta o Professor Adair[2], o líder sábio satisfaz essas necessidades individuais exatamente como os pais fazem com seus filhos, citando Sun Tzu:
“Considere seus soldados como seus filhos, e eles seguiram você para os vales mais profundos; cuide deles como se fossem seus filhos adorados, e eles ficarão ao seu lado até a morte”
Ao final, ele destaca que nenhum chefe pode ser “ruim de ouvido” citando o exemplo de um líder tribal, destituído de força policial; só podia conseguir que as coisas fossem feitas se membros livres e iguais da tribo, como os chefes de famílias, participassem na decisão e assim aceitassem o compromisso.
O exemplo mostrado pelo especialista enfatiza a importância da escuta ativa na liderança, enquanto arte do líder em influenciar pessoas, livres e conscientes para a consecução de um objetivo comum. Portanto, essa habilidade constroi times e projetos sustentáveis para os desafios corporativos em curto e longo prazo, desenvolvendo pessoas e futuros líderes – cada indíviduo importa.
Deste modo, saber escutar proporciona credibilidade ao líder e ao mesmo tempo, melhores condições de trabalho ao time, propiciando confiança e meios necessários ao bom desempenho das tarefas, conforme o talento de cada colaborador e objetivos comuns traçados.
Em grandes organizações como o exército, por óbvio, é impossível que o líder estratégico cuide pessoalmente de cada indivíduo, contudo, cada vez, que eles percebem que são ouvidos, há sinergia e o efeito é sempre poderoso.
Vejamos agora a sua aplicação nas politicas organizacionais. A estratégia de coletar feedback de forma contínua ao longo do ciclo de vida do colaborador está revolucionando as práticas de RH. Neste contexto, a abordagem impulsionada pela tecnologia e pelo contato pessoal, está fortalecendo culturas organizacionais, promovendo engajamento e melhorando resultados.
No penúltimo tópico, quero trazer a sua aplicação no âmbito da governança familiar inserida nos planejamentos patrimoniais.
A sensibilidade e escuta ativa fazem muita diferença na hora de se realizar um planejamento sucessório familiar, não importa qual o tamanho e estrutura de seu patrimônio - “no one size fits all”, visando proteger os interesses de uma patriarca/matriarca e a continuidade de uma empresa familiar, blindando-a de infortúnios, como a dilapidação de patrimônio e litígios sucessórios.
E, finalmente, trago as suas benesses na condução de seminários, conferências, palestras, quando há mais de um palestrante/participante, na qual cada protagonista por meio da escuta ativa analisa o conteúdo trazido de cada consorte, para melhor conexão da temática escolhida e junção de ideias, enriquecendo-se, desta forma, o debate e o contraditório.
Contudo, há barreiras por uma série de fatores.
Neste compasso, há uma cultura enraizada no meio corporativo, como bem frisado pelo consultor e professor americano Michael Gibbs (SERRANO, 2017) de que para ter sucesso em uma negociação basta apenas ter o controle da conversa, uma visão baseada em pré-julgamentos e estereótipos, não fidedignos com a dinâmica e complexidade do problema.
A título de exemplo, muitas vezes, uma inadimplência não foi decorrente de falta de provisões e sim por insatisfação do cliente com o serviço efetuado, e, portanto, ao ser descoberto, de forma empática pela EA, pode gerar melhores alternativas ao enfrentamento judicial, além de fornecer subsídios para melhores práticas de governança corporativa.
Na ordem comportamental e psicológica, a distração, oriunda de uma “guarda baixa”, desídia, como por exemplo, uma atenção direcionada para um toque de whatsapp do celular no meio de uma conversa, afeta a sua qualidade (filtro) e, por conseguinte, na obtenção de melhores insights e oportunidades de negócio.
Muitas vezes, não é uma questão de idade ou de experiência, mas de personalidade; pessoas ansiosas, constumam pensar 30 segundos a frente numa conversa, ou mesmo, marginalizar o contato visual ao tentar anotar tudo o que o interlocutor verbaliza, sem, contudo, se atentar ao que é relevante. Portanto, se uma pessoa é mais impaciente/ansiosa, está sempre preocupada com o relógio e outras obrigações, e é mais difícil focar a atenção. O uso de gravações, em negociações complexas e tratamentos específicos para lidar com este transtorno podem ser úteis.
Nesta ordem de fatores, citamos também o aspecto físico, sendo imprescindível a melhor disposição do ambiente; sem ruídos, boa ventilação e conforto das pessoas ali envolvidas, preservando-se, deste modo, a concentração e intensidade das tratativas.
No mesmo grau de importância, quando estiver sob fadiga, estresse ou mesmo sob a influência de uma instabilidade emocional é aconselhável ao negociador uma retirada para fins de se convalescer, porquanto estes sintomas são capazes de sequestrar nosso cérebro, resultando em distorções da realidade.
Levando em consideração estes aspectos a função da escuta ativa é múltipla; fornece insights, filtra as impurezas de pré-julgamentos e estereótipos, trazendo à tona, por meio de uma construção, os reais motivos e circunstâncias que cercam a inadimplência e os desejos, necessidades e interesses das partes envolvidas.
Em uma visão filosófica, a escuta ativa é um ato de humildade de lidar com divergências, fazendo com que cada dificuldade torne-se uma oportunidade, por meio de encaixe de modelos mentais customizados a uma necessidade real e legítima.
Quando damos abertura para outras pessoas, somos capazes de enxergar o mundo através das lentes delas. Isso nos dá o discernimento para saber o quê, onde, quando e como falar. Esse movimento também permite que o outro nos conheça e é por meio dessa reciprocidade que construímos uma comunicação assertiva e humanizada.
A verdade é uma construção da realidade. Saber dialogar é muito mais do que saber falar. Dialogar pressupõe ouvir e analisar, antes de responder, daí a diferença de responder x compreender.
Muito embora a escuta ativa seja uma técnica óbvia e debatida há tempos pelos maiores especialistas em administração, essa verdade precisa, insistentemente, ser apresentada e reapresentada. Afinal de contas, quantas vezes, nós mesmos, acabamos por nos concentrar mais em nossas próprias ideias do que em ouvir as pessoas ao seu redor?
É uma questão de hábito, é preciso mostrar ao interlocutor que está prestando atenção, repetindo de volta algumas palavras que a pessoa diz e fazendo perguntas relevantes. É dificil ouvir quando você acha que falar é o modo mais efetivo de se sair bem, nestas situações. Mas com equilíbrio emocional e treinamentos específicos é possível mudar.
Como corolário final, as suas benesses dependem da contemplação, prezando pelo silêncio de nossa alma, sem contaminação, para conhecermos novas histórias e oportunidades de negócios, com pacificação social.
*Foto: Free-Photos por Flickr (Imagem ilustrativa).
Notas:
[1] ROGERS, Carl. Um jeito de ser. Editora: E.P.U.; 1ª edição (1 novembro 1986). Pág. 08.
[2] ADAIR, John. Estratégias de liderança de confúcio. Um livro pioneiro de uma das maiores autoridades do mundo em liderança. Traduçao de Ana Deiró. 1ª. Edição. Rio de janeiro: Anfiteatro. Pág. 88.
Referências Bibliográficas
ADAIR, John. Estratégias de liderança de confúcio. Um livro pioneiro de uma das maiores autoridades do mundo em liderança. Traduçao de Ana Deiró. 1ª. Edição. Rio de janeiro: Anfiteatro. Págs. 87-93.
AGOSTINHO, Santo, 354-430. Confissões; De Magistro=Do Mestre. Coleção Os pensadores. 2 ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
FISHER, Roger, et al. Como Chegar Ao Sim: Como Negociar Acordos sem Fazer Concessões. Editora Sextante. 2018.
GORDON, Thomas. Parent Effectiveness Training: The Proven Program for Raising Responsible Children. Editora: Harmony; Illustrated edição (31 outubro 2000).
SERRANO, Filipe. Sete perguntas para Michael Gibbs. In. Revista Exame. Ed. Abril. Edição 1143. 02/08/2017. Pág. 134.