Os insumos da inovação
Realizar o Direito é tão importante quanto reconhecê-lo. Para fortalecer a inovação é necessário maior segurança jurídica e conhecimento da estrutura dos negócios e de suas externalidades.
“Juristas enxergam as ações judiciais, não as atividades. [...] Ele não está treinado para entender o que seja uma estrutura: então, ele está mais capacitado para perceber a árvore do que a floresta” (José Reinaldo de Lima Lopes).
Em poucas palavras, ecossistema significa o sistema onde se vive. É um termo que deriva das ciências biológicas.
Contudo, é bastante utilizado no contexto empresarial para designar o conjunto de empresas nascentes e inovadoras que atuam em determinado local, por meio de interação com os hábitos de consumo existentes, com o auxilio de diversos agentes (aceleradoras, investidores, advogados, governos e entidades, incubadoras e etc.) em um cenário de riscos e incertezas.
Neste contexto, as startups podem ser consideradas uma empresa protótipa, em seu estágio inicial de desenvolvimento e em processo de constituição, carente de processos internos e organização, com perfil inovador, altamente dependente do capital: humano (intelectual) e de terceiros (investimentos), bem como, da tecnologia, emergida em condições de risco e incertezas (mercado pouco explorado) tendo como finalidade primordial a criação e o desenvolvimento de produto ou serviços inéditos no mercado.
Todavia, é oportuno indagar: como devo empreender e quando começar? Boas ideias, como entender quem é seu cliente ou público, não são suficientes, sendo necessário um aporte de capital para estruturar a empresa, ou melhor, o negócio, visando a sua consolidação no mercado.
Atuando em um mercado de risco e incerto as startups em cada fase de seu desenvolvimento pode ser financiada de diversas maneiras.
O investimento inicial pode ser denominado de capital semente, para atingir um patamar financeiro para o exercício de suas atividades, focados exclusivamente no desenvolvimento de seu produto e/ou serviço principal.
Essa empresa, muitas vezes, tem só um protótipo do seu produto, não tem nem equipe formada. Ou, às vezes, já tem até os primeiros clientes, mas precisa de capital para validar o produto para com um público maior.
A próxima dúvida é: como conseguir este investimento? Você pode usar o seu próprio capital (bootstrapping), encontrar um sócio que consiga fazer um aporte, levantar dinheiro com familiares, amigos ou com "investidores anjo" e até mesmo firmar empréstimo bancário.
Contudo, antes mesmo de firmar as primeiras tratativas, é crucial ao empreendedor possuir o pitch de seu negócio, para ter êxito perante investidores e recrutamento por meio de certames oferecidos pelas aceleradoras.
O pitch é um portfolio de apresentação, com informação clara, objetiva, concisa, direta, sobre a sua proposta de negócio, com o intuito persuasivo, para um terceiro interessado (investidores).
Para uma boa apresentação, que pode ser amparada por meio de slides e/outros recursos visuais, é necessária à abordagem específica, coesa e pragmática, sobre os seguintes pontos: (i) Qual é o problema? Quantas pessoas são afetadas por esse problema, a sua complexidade e gastos envolvidos para tentar resolvê-lo? (ii) Qual é a solução? (iii) Quais são os seus diferenciais (iv) Qual é o momento do seu negócio? (v) Qual é a proposta?.
Além do pitch e capital semente inerentes a este ecossistema, é importante ressaltar o pilar da segurança jurídica, enquanto fonte e guarida da inovação, especialmente na relação entre os empreendedores com investidores interessados.
Destaca-se, neste âmbito de cooperação os programas oferecidos pelas aceleradoras às startups.
Na espécie, há um processo de inscrição de seleção altamente competitivo onde os investidores oferecem aporte de recursos financeiros (capital semente) e serviços de capacitação e mentoria intensiva, em troca de participação societária na empresa escolhida.
Tem como objeto as startups com plano de negócios escalonáveis, porquanto os investidores almejam obter com a participação na empresa, resultados relevantes em curto prazo, para manterem o seu suporte e investimento.
Por outro lado, é uma oportunidade para que as startups possam sair da fase de maturação, enquanto promessa para se consagrar em uma realidade, com o devido posicionamento no mercado.
Os processos seletivos promovidos pelas aceleradoras tem a natureza jurídica de promessa pública de recompensa (capital semente, mentoria e etc.) pressupondo uma convocação de pessoas dotadas de certos atributos de idoneidade técnica e a superação de condições especificamente estabelecidas, com uma seleção voltada para a escolha do concorrente que, nos termos do anúncio feito, observados os critérios fixados, demonstrar maior mérito.
Por oportuno, há de observar os requisitos necessários à obrigatoriedade da promessa de recompensa; ampla publicidade, prévia descrição das condições para serem implementadas pelos concorrentes e indicação de uma premiação final.
Deste modo, para sedimentar a inovação, conciliando os interesses antagônicos destas partes, é forçosa a garantia da segurança jurídica como forma de validar a oferta de compromisso de investimento para "capital semente" a startup, como pilar de desenvolvimento sustentável de novos negócios.
Os contratos são pontes de riquezas, cuja força obrigatória das obrigações contidas no seu bojo, é de fundamental importância para o surgimento de novos negócios, criação de riquezas, por meio de maiores investimentos, pela expectativa de estabilidade no ato de empreender.
Como exemplo prático, citamos o acórdão proferido pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo que manteve a sentença de parcial procedência da pretensão de empresa que venceu concurso para aporte de “capital semente”, mas não recebeu o prêmio.
Naquela ocasião, a companhia que organizou o programa foi condenada ao pagamento de R$ 139.602,72, corrigido, a partir de cada vencimento, conforme Tabela Prática do TJSP, com incidência de juros moratórios de doze por cento ao ano, a contar da citação (Apelação Cível nº 1046737-77.2019.8.26.0002. Des. Rel. Azuma Nishi. Julgado em 10/03/2021).
A confiança é pressuposto de todo e qualquer negócio. É a força motriz da economia porquanto permite a troca de serviços e/ou produtos e benefícios mútuos entre as pessoas. É, de certo modo, um meio indispensável para o surgimento e conclusão de negócios.
Dado o exposto, a falta de confiança de que as instituições garantirão o direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas e incertezas sobre as consequências dos atos baseados nas normas jurídicas vigentes, ocasionando no âmbito da sociedade à sensação de insegurança jurídica.
Esse ambiente é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, enfim, produz efeitos nefastos na economia.
Realizar o Direito é tão importante quanto reconhecê-lo. Para fortalecer a inovação é necessário maior segurança jurídica. Segurança jurídica significa também crescimento sustentável da economia. Os investimentos somente serão duradouros e capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico se houver repressão sólida e eficaz a qualquer ameaça de violação de direitos, mormente na esfera contratual, conforme acima exposto.
Nesta linha de raciocínio, a solução da disputa judicial não se esgota com a sentença que julga o caso concreto (árvore), uma vez que acaba eclodindo efeitos externos dessa decisão à floresta (“externalidades”). Formam-se estruturas de incentivos comportamentais a partir do precedente e o mercado espera, legitimamente, que casos futuros sejam julgados da mesma forma.
Daí a necessidade de uma cultura de precedentes. Quem vê a floresta, enxerga para além da disputa judicial (árvore, na metáfora).
Assim sendo, caso não haja formas de se obrigar os devedores a honrarem com suas obrigações, isso poderá acarretar uma insegurança de grande monta e todos sofrerão as suas consequências, com a instabilidade econômica e aumento dos juros, contribuindo, negativamente para o Custo Brasil [1].
O empreendedorismo proporcionado pelas startups e seus investimentos em tecnologias, propiciam o surgimento de um ambiente próspero para a originalidade, de modo a agregar riqueza contínua e duradoura, uma vez que diversificam as exportações de um país, que não pode ficar restrito as oscilações do seu mercado de commodities.
Um sistema de justiça que garante segurança jurídica fornece com clareza as regras do jogo, proporcionando uma estrutura de incentivos para que os agentes desenvolvam suas atividades, confiantes de que terão ao seu dispor uma instituição sólida e eficaz para a proteção de seus direitos na hipótese de qualquer ameaça de violação, criando, portanto, um ambiente favorável às trocas e, por consequência, ao desenvolvimento econômico.
A confiança nas instituições, a segurança jurídica, o respeito aos contratos e as estruturas dos empreendimentos são os insumos de nosso desenvolvimento econômico, tecnológico e consequente protagonismo na ordem econômica mundial.
*Foto: Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).
Notas:
[1] Em decorrência da falta de segurança quanto ao cumprimento de cláusulas contratuais e/ou de recuperação de créditos, o credor embute o risco nos juros, em especial, nos contratos de financiamento, onerando ou mesmo restringindo o crédito, o que também implica na diminuição de investimentos. A participação da Justiça no custo Brasil se dá em razão do alto nível de insegurança jurídica e de efetividade da jurisdição, o que provoca o aumento do risco e dos custos das transações econômicas, afetando a competitividade das empresas brasileiras e onerando, por conseguinte, a renda familiar dos consumidores.