Pílulas da Nova Economia: Contrato de Mútuo conversível em participação societária

Pílulas da Nova Economia: Contrato de Mútuo conversível em participação societária

 

“Tudo na vida é gerenciamento de risco, não sua eliminação” (Walter Wriston)

 

Com o aquecimento do mercado de investimentos em startups no Brasil, é possível afirmar que a grande maioria da massa empreendedora carece de investimentos para o seu negócio.

Em contrapartida, os fundos de investimentos e as empresas especializadas em Venture Capital ou Private Equity, também estão de olho nas oportunidades que o mercado vem oferecendo. Fator que possibilita ao investidor trabalhar com uma carteira variada de investimento, dentro do mercado de tecnologia, com uma gama de modelos de negócios que oferecem um crescimento escalável. 

E para realizar a decisão de alocar recursos ou não em uma empresa, o investidor deve utilizar de diferentes ferramentas, a fim de avaliar as condições macro e microeconômicas de uma potencial investida, tendo como alvo as empresas startups.

Startups são empresas em estágio inicial de desenvolvimento, em um cenário de incertezas, com perfil inovador, marcadas pela ausência de processos burocráticos internos e organização empresarial. Elas são criadas a partir de uma ideia, muitas vezes, disruptiva, com baixo investimento inicial e crescimento escalonado. São exemplos: Ifood, Uber, Buser, Nubank, Facebook, LinkedIn, etc

Neste contexto, um dos contratos da nova economia mais utilizados no ecossistema empreendedor das startups é o mutuo conversível em participação societária.

É um contrato de investimento para startups em estágio inicial, híbrido e complexo.

Conforme leciona a doutrina [1]:

“O mútuo conversível não é uma simples cláusula de opção de conversibilidade, mas sim um contrato híbrido e complexo. Híbrido, porque se caracteriza como um contrato de “dívida” que tem por principal objetivo a realização de um investimento. Complexo, pois se dá por meio do estabelecimento de uma série de previsões, como metas e regulação das rodadas de investimento, que determinarão como a relação entre as partes se desenvolverá ao longo da vigência do contrato”.

O mútuo conversível é o instrumento que mais tem sido utilizado por investidores, ávidos por negócios disruptivos, em vista da possibilidade de livre pactuação de condições entre as partes, ao contrário do contrato de participação – investimento anjo, o qual deve seguir os requisitos previstos na Lei Complementar n. 155/16 [2].

É um instrumento qualitativo capaz de maximizar as oportunidades de investimento capitaneadas pelo capital de risco, presentes no universo das startups. As principais vantagens são:

a) Simples e rápida formalização (não exige registro, etc.);

b) Flexibilidade nas cláusulas contratuais: liberdade contratual;

c) A empresa pode optar pelo SIMPLES;

d) Baixa tributação;

e) Flexibilização do valuation (aporte agora e conversão futura);

f) proteção do patrimônio do investidor → credor

No seu bojo, ele funciona como o mútuo convencional, em que o mutuante (investidor) concede determinada quantia em dinheiro ao mutuário (empreendedor ou startup) à título de empréstimo, devendo este último pagar o valor recebido em determinado prazo com acréscimo de juros.

A diferença do mútuo conversível para o convencional reside no fato do mútuo conversível, o investidor disponibiliza um empréstimo à startup em contrapartida ao direito de, na data de vencimento, escolher entre receber o dinheiro ou converter (daí o nome - conversível) o empréstimo em participação societária.

O investidor tem a opção de converter ou não o mútuo em participação societária. Além disso, caso ocorra um evento de liquidez antes da data de vencimento na startup (novo round de investimentos na startup, aumento de capital, venda da empresa), o vencimento do mútuo é antecipado, ou seja, o investidor poderá, desde logo, optar pela conversão ou não do contrato de mútuo.

No que tange as startups, a principal vantagem do mútuo conversível está na possibilidade de levantar recursos financeiros para o negócio, sem trazer de imediato novos sócios para a empresa, fato que acabaria por burocratizar a tomada de decisão sobre o negócio, em um momento crítico e crucial para os seus fundadores.

Para atingir esse objetivo, o contrato de mútuo poderá ser uma ferramenta determinante para o desenvolvimento e crescimento de uma startup, e, consequente, consolidação no mercado [3].

Doutra parte, aos investidores permite fazer um aporte com a segurança de que seu investimento poderá ser retornado com participação societária no capital social da empresa, entre outras questões, que podem ser amarradas neste tipo de investimento.

Por meio deste investimento, o investidor aporta determinada quantia em dinheiro na empresa-alvo, sem ainda se transformar em seu sócio, mas possui a opção de, dentro de um prazo convencionado no instrumento, exercer seu direito de converter o valor aportado em participações representativas do capital social da empresa, momento em que se tornará sócio.

Além disso, buscando fugir da hipótese de tributação sobre o ágio, o mútuo conversível pode ser ainda mais atraente, quando as partes definem que a conversão só ocorrerá quando a sociedade empresária se transformar em sociedade anônima, onde não há essa tributação [4].

Em apertada síntese, esse empréstimo é condicionado a possibilidade de conversão futura da dívida em quotas da startup e, com isso, o investidor não entra diretamente no quadro social da empresa. A principal razão para o investidor optar por esse contrato é o de afastar obrigações trabalhistas e tributárias advindas da empresa.

A 1a. Câmara reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que, em contrato de mútuo com cláusula de conversão de dívida em participação societária é direito potestativo do mutuante a opção entre converter a dívida em aporte de capital ou sua cobrança pela via da ação monitória. Nesse sentido: Apel. n. 1001370-90.2020.8.26.0003.  

Contudo, na prática, é incomum a cobrança do mútuo, em face da natureza de risco e investimento inerente a espécie (venture capital).

É importante ressaltar que o investimento por meio do contrato de mútuo conversível não oferece ao investidor direitos que são exclusivos aos sócios, como interferência na administração da sociedade, direito de voto em assembleia, dentre outros.

Caso esses direitos constem no contrato – o que não deve acontecer – há um grande risco de haver uma caracterização de sociedade de fato e passar a ter responsabilidade perante terceiros, cujo ônus das obrigações sociais não fazem parte do universo de atuação do investidor.

A advocacia corporativa especializada é elemento imprescindível a preservação do ecossistema empreendedor, para  fins de assessoria e mitigação de riscos, porquanto na hipótese de ingerência excessiva do investidor na startup, pode acarretar na sua responsabilização na qualidade sócio, conforme vimos acima.

Para os founders e investidores as bancas são verdadeiros parceiros de negócios, mormente na redação bem estruturada da minuta de contrato, que atenda as suas expectativas legítimas, para o crescimento escalável do negócio, como por exemplo:

a) Valor e forma do aporte;

b) Cláusulas econômicas: métricas de valuation das quotas (valuation cap, floor), preços, desconto;

c) Cláusulas que assegurem o direito a informação das operações das startups aos investidores (relatórios periódicos, comunicação de fatos negativos – ex: protestos, processos, débitos, possibilidade de Comitê                          de Investidores para sugestões);

d) Definição do percentual de participação societária as que o investidor terá direito;

e) Conversão em participação societária: eventos de liquidez, critérios de conversão formas de participação e etc.

f) Data de vencimento do contrato;

g) Forma de aquisição da participação societária;

h) Hipóteses de antecipação da opção de conversão do mútuo;

i) Juros e correção monetária;

j) Forma de pagamento do valor do mútuo em caso de não conversão;

l) Adesão do investidor a eventual acordo de sócios existente na empresa;

m) Cláusulas que regulam as relações entre as partes: cláusulas econômicas (valuation, capitalização, vesting, etc.), cláusula de controle (drag along, tag along, veto, unanimidade) e cláusulas de indenização,                                 confidencialidade - NDA, entre outras;

n) Condições e exigências de conversão: as partes definem que a conversão só ocorrerá quando a sociedade empresária se transformar em sociedade anônima, onde não tributação sobre o ágio;

o) Disposições sobre a renovação do mútuo; fazer a secundária de investimento ou autorizar a entrada de outro investidor.

No atual cenário econômico, as empresas brasileiras estão convivendo com vários desafios que as expõem ao risco da descontinuidade, especialmente, no que tange aos aspectos jurídicos do negócio.

O ímpeto de um novo empreendimento sem o suporte de um plano de negócios com a avaliação prévia dos reflexos jurídicos que circundam a atividade empresarial pode comprometer a curto, médio, ou longo prazo uma ideia promissora e escalabilidade do negócio, com possibilidade de êxito.

Há, ainda, a necessidade urgente de maior especialização dos empreendedores e dedicação ao empreendimento. Hubs de inovação, cursos técnicos de tecnologia voltadas para o empreendedorismo também são necessários, para a própria sobrevivência deste ecossistema.

Uma reflexão sobre vantagens competitivas é fundamental para a continuidade dos negócios. Reduzir custos, atualmente, é muito mais do que cortar números, é saber identificar as deficiências e riscos do próprio negócio.

Não há soluções prontas e modelos  genéricos na esfera contratual. Cada negócio tem uma realidade e complexidade diferente, para serem transpostas com segurança jurídica por meio de cláusulas contratuais.

Entender a “dor” do cliente, a  sua eventual aversão ao risco, são premissas basilares para o êxito da escolha do melhor contrato empresarial, porquanto, com a assinatura do mútuo em discussão a empresa aumentará o seu passivo.   

 

Notas:

[1] In. Relatório do laboratório de Empresas Nascentes de Tecnologia da FGV. Negócios de Impacto Social: Da estrutura da Empresa Nascente a sua aproximação com o Poder Público. Coordenação Acadêmica: Profa. Mônica Steffen Guise Rosina Coordenação Executiva: Alexandre Pacheco da Silva Pesquisador: Felipe Figueiredo Gonçalves da Silva. Estagiário: Carlos Augusto Liguori Filho. Disponível em: http://apreender.org.br/wp-content/uploads/2015/08/LENT-Neg%C3%B3cios-de-Impacto-Social.pdf. Capturado em: 30/08/2021.  

[2] BRASIL. Lei Complementar n. 155, de 27 de outubro de 2016. Altera a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, para reorganizar e simplificar a metodologia de apuração do imposto devido por optantes pelo Simples Nacional; altera as Leis nos 9.613, de 3 de março de 1998, 12.512, de 14 de outubro de 2011, e 7.998, de 11 de janeiro de 1990; e revoga dispositivo da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp155.htm. Capturado em 31/08/2021.

[3] Ao entrarmos na esfera específica das startups, pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral, onde foram levantados dados junto a fundadores de startups que tiveram seus  negócios descontinuados, entre as suas principais causas, foram apresentadas as seguintes respostas: (i) falta de comprometimento em tempo integral dos fundadores exclusivamente para as startups; (ii) não alinhamento dos interesses pessoais e ou profissionais dos fundadores; (iii) falta de capital de giro para investir no negócio. FUNDAÇÃO DOM CABRAL – FDC. Causas da mortalidade de startups brasileiras: o que fazer para aumentar as chances de sobrevivência no mercado? 2012.

[4] Ágio: a diferença entre o valor efetivamente pago por um título (valor de mercado) e o valor nominal (valor contábil), sendo comum que esta diferença seja decorrente da expectativa de rentabilidade futura da empresa. Nas Sociedades anônimas, o ágio não é tributado (art. 38, I, do Decreto-lei nº 1.598/77).

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).

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