Posicionamento digital e segurança jurídica
Negócios com influencers também exigem cuidados.
“Conteúdo constrói relacionamentos. Relacionamentos são baseados em confiança. Confiança gera receita.” (Andrew Davis)
Nos primórdios, o termo “influência” era apenas um substantivo restrito a ação de grandes personalidades midiáticas, capaz de afetar vidas, contribuindo de forma substancial com a disrupção de valores, consumos e estilos de vida, frutos da indústria cultural de massa.
Hodiernamente, com a conexão da vida digital, o referido substantivo foi trocado pelo verbo “influenciar”, frisa-se, mais prática, por meio do marketing de influência, tirando muitos do anonimato para o estrelato.
O marketing de influência é antes de tudo uma estratégia que ocorre por meio de plataformas digitais - as redes sociais - como uma nova forma de abordagem mercadológica que consiste em praticar ações focadas em indivíduos que exerçam influência ou liderança sobre potenciais clientes de uma marca [1] ou perante adeptos de um estilo de vida e entretenimento.
A ligação entre marketing e influência sempre foi inextricável, tendo como protagonistas os influenciadores digitais de diferentes perfis que integram a estratégia de comunicação das marcas, por meio da produção de conteúdos.
Neste contexto, o influenciador digital pode ser conceituado como o profissional que domina um conjunto de técnicas de negociação, argumentação e persuasão capaz de convencer alguém a fazer algo que gere valor para esse alguém e que utiliza a rede mundial de computadores para veicular sua mensagem/conteúdo, enquanto produto.
O conteúdo destes influenciadores tecnológicos pode ser explícito por meio de videoblogue sobre jogos, cultura fitness, entretenimento, culinária, moda e beleza, jornalismo cívico, sem necessariamente ser um jornalista, enquanto formador de opinião.
Por outro lado, a produção do material destes profissionais pode ser implícita; por meio de exposição de fotos e ostentação capaz de gerar valor a alguém como autoestima, vaidade, status social ou mero entretenimento, com apropriação de linguagens atuais, capaz de potencializar ações de marketing e vendas, além de boas atitudes no convívio social, como resiliência, disciplina, modo de vida saudável, dentre outros.
O perfil do digital influencer nas redes sociais constitui-se em parte de seu trabalho, e sem esse acesso a sua carreira pode ser inviabilizada, demandando inclusive, na contratação de seguros. O seguro não tem objetivo de impedir a invasão da conta ou interferências da plataforma, mas a cobertura consiste em oferecer indenização pelo dano que a pessoa possa sofrer ao perder este acesso.
No âmbito das relações de consumo de massa presenciamos nas diversas mídias inúmeras publicidades envolvendo atores e influencer's representando o ''rosto das marcas'' mais famosas. É uma prática muito comum ultimamente e são os contratos que regularizam estas negociações.
A criação de tendências decorrente deste trabalho facilita a criação de novos negócios e demandas, sendo, portanto necessário o serviço de consultoria jurídica para melhor preservar os direitos destes profissionais, muitas vezes, de pouca idade e baixa instrução.
O primeiro passo é formatar uma empresa, nos moldes de uma sociedade comercial que melhor atenda os interesses do influenciador quanto à exploração dos direitos econômicos oriundos de sua personalidade.
Caso o empresário do influencer, figure como sócio de sua sociedade, além da elaboração conjunta de um contrato de agenciamento (prevista no artigo 710 a 721 do Código Civil) para formalizar essa relação, são necessários algumas cautelas no que tange a redação de cláusulas societárias.
Indagações como: O que os sócios querem? O que os sócios não querem? Compromissos e Visão de futuro – onde os sócios querem chegar? São de suma importância para o desenvolvimento da governança corporativa da sociedade, por meio da confecção de cláusulas customizadas no acordo de sócios.
A título de ilustração, as principais questões ventiladas no acordo de sócio, podem ser elencadas da seguinte forma:
a) Definição das responsabilidades e obrigações de cada sócio;
b) Forma de convocação e realização de reuniões;
c) Os quóruns de aprovação de atos administrativos;
d) Política de governança decisória;
e) Forma e condição de distribuição dos lucros;
f) Apuração de haveres e direito de retirada;
g) Previsão de exclusão de sócio por justa causa, elencando hipóteses (extrajudicial);
h) Forma e condição de compra e venda de quotas e diversas outras questões
Por meio deste acordo que os sócios adquirem segurança quanto a seus direitos e deveres dentro da sociedade, de modo a mitigar conflitos e riscos de judicialização. Os seus pilares são: a transparência, equidade, responsabilidade corporativa/compliance e a prestação de contas.
O instrumento também agrega valor a sociedade e uma atratividade para investimentos, em face do disclosure transmitido aos investidores; ou seja, saber que está investindo em um empresa que tem uma boa gestão, monitoramento e incentivo, e consequente capacidade econômica futura.
Deste modo, sem a elaboração deste instrumento que regula a relação entre os sócios, o influenciador pode experimentar dissabores comerciais, já que teria um poder de decisão bastante restrito, de acordo com o Código Civil vigente. Não havendo limitações previstas no contrato social da empresa do influenciador, o empresário, como seu administrador, teria plenos poderes para desenvolver as atividades empresariais, bem como representar a empresa do influenciador na celebração de contratos, instituições financeiras e órgãos públicos, podendo ocasionar conflitos societários.
Neste compasso, do ponto de vista societário, existem diversas alternativas passíveis de serem previstas em favor do influenciador, tanto com o objetivo de destituir o seu empresário do cargo de administrador da empresa, e até mesmo a sua exclusão da sociedade, tanto por via judicial quanto extrajudicial.
De forma paralela, a proteção da propriedade intelectual deve ser realizada de modo a proteger qualquer criação intelectual criativa oriunda do atributo intelectual do influenciador como jargão, memes, apelido, por meio de pedido do registro da marca nominativa perante o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).
Na outra ponta, no âmbito negocial envolvendo influenciadores e empresas dispostas a contratar os seus serviços, há de se fazer as seguintes observações:
1. Tudo o que o influencer disser, será impactado na marca que ele estiver vinculado;
2. O posicionamento do influencer também irá impactar no negócio como um todo, em todos os setores.
Na fase pré-contratual a empresa deve sempre fazer uma análise mercadológica do potencial do influencer por meio da conferência de seu mídia kit e suas estatísticas; insights sobre o alcance do perfil, as suas interações e a taxa de engajamento e seu público, visando aferir o poder de sua influência.
Assim sendo, no ato da redação das cláusulas contratuais é importante destacar os seguintes elementos que devem conter no seu bojo:
- Objeto do contrato: Qual o perfil será utilizado para os fins do contrato? No perfil do influenciador ou da marca contratante? Plataforma a ser utilizada. Qual o tipo de conteúdo? Fotos, vídeos e/ou reels? As publicações vão para o feed, stories e/ou destaques? Quantidade de publicações, individual ou na modalidade carrossel? Periodicidade das publicações e local das gravações e/ou fotos. Obrigações e custos acessórios;
- Confecção de cláusulas restritivas no contrato: por exemplo, o que o influenciador poderá ou não falar ou fazer (Ex.: Opinião Política, Religião, etc.) chamadas de cláusula de moralidade;
- Cláusula de exclusividade; (será de grande relevância para a marca contratante) como o tempo de duração, o território que abrange (seja ele geográfico ou em mídias digitais específicas);
- Duração do Contrato de Influencer Digital e Uso de Imagem.
Deste modo, é de fundamental importância a elaboração de contratos customizados conforme os interesses econômicos do cliente sejam eles, influenciadores, empresários ou empresas dispostas a contratar os serviços de um influencer, mitigando riscos com maior transparência na definição de direitos e obrigações.
É necessário ainda inferir que a linguagem, sendo uma forma de comunicação entre as pessoas, busca construir signos com significados para uma relação clara e objetiva. A linguagem técnica, por ter um caráter de cientificidade deixa muitas pessoas confusas, evidenciando, dessa forma, a importância instrumental da comunicação como fonte de orientação para os negócios.
Em vista disso, o profissional jurídico não pode esquecer a linguagem comum, visto que o cliente é afeito apenas à linguagem diária e o advogado terá de lhe responder na mesma linguagem, caso contrário não será entendido.
O excesso de jargões e termos jurídicos complexos impede o entendimento adequado do que está sendo negociado, prejudicando diretamente a comunicação e acesso aos direitos, tornando terra fértil para conflitos societários e demandas na justiça.
Levando em consideração estes aspectos, o profissional do direito deve zelar pela comunicação com o cliente, especialmente na redação de contratos mais assertivos, interativos, de fácil entendimento por meio do visual law [2] e do comic contract [3]
Realizar o Direito é tão importante quanto reconhecê-lo. Para fortalecer a inovação é necessário maior segurança jurídica e conhecimento da estrutura dos negócios e de suas externalidades.
É necessário saber como monetizar as criações intelectuais, o que demanda conhecimento, formação de especialistas no assunto e uma infraestrutura jurídica de proteção (propriedade intelectual e consultivo empresarial).
Em face desta realidade, o mercado carece de uma consultoria jurídica mais humanizada e menos burocrática, em face da carreira meteórica destes profissionais da nova era digital, cuja ascensão exige um pilar jurídico de confiança e qualidade para viralizar sonhos e caminhos de prosperidade.
*Foto: Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).
Notas
[1] CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Marketing_de_influ%C3%AAncia. Capturado em: 12/07/22.
[2] “O Visual Law é uma nova forma de argumentação jurídica que combina elementos visuais e textuais para contextualizar o caso em petições e simplificar contratos, tornando os documentos simples, interativos e fáceis de ler” In. Visual Law: o que é e como o advogado do futuro pode usar. Blogpost da Thomson Reuters Brasil. Publicado em: 19/07/2020. Disponível em: https://www.thomsonreuters.com.br/pt/juridico/blog/visual-law-o-que-e-e-como-o-advogado-do-futuro-pode-usar.html. Capturado em 13/07/2022.
[3] Os “comic contracts”, ou contratos ilustrados, surgiram na África do Sul como uma ideia inovadora para integrar gravuras às clausulas escritas, com o objetivo de auxiliar na compreensão de seu conteúdo através de linguagem visual.