Quer abrir uma empresa sem sócios?

Quer abrir uma empresa sem sócios?

O artigo esclarece os elementos caracterizadores da empresa individual, realçando a inexistência de separação patrimonial da pessoa natural, porquanto é apenas pessoa jurídica para fins tributários, bem como, a sua diferença com relação à Sociedade Limitada Unipessoal.

 

É comum presenciarmos no âmbito corporativo uma confusão acerca do conceito de empresa individual e personalidade jurídica, com reflexos na responsabilidade patrimonial por débitos contraídos pela empresa. 

 

Para fins de esclarecimento empresário é a pessoa empreendedora de uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. 

 

Feitas essas considerações existem três possibilidades de empresas sem sócios: (i) empresário individual (pessoa natural; conforme artigo 966 do Código Civil); (ii) Microempreendedor individual (MEI); e, finalmente, a Sociedade Limitada Unipessoal (SLU, artigo 1.052 do Código Civil). 

 

A separação patrimonial é verificada apenas na formatação da SLU. Vejamos. 

 

A natureza jurídica do empresário individual é de pessoa natural, sem separação patrimonial, exercendo ele mesmo a atividade econômica por sua conta e risco. 

 

O Professor Campinho [1] elucida seus principais aspetos: 

 

“O exercício da empresa pelo empresário individual se fará sob uma firma, constituída a partir de seu nome, completo ou abreviado, podendo a ele ser aditado designação mais precisa de usa pessoa ou do gênero de atividade. Nesse exercício, ele responderá com todas as forças de seu patrimônio pessoal, capaz de execução pelas dívidas contraídas..” 

 

Neste contexto, o empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda. 

 

Por sua vez, o MEI tem como fundamento legal a Lei Complementar n. 123/2006 [2], especialmente prevista no seu artigo 3º: 

 

“Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I - no caso da microempresa aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II - no caso de empresa de pequeno porte aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016)”

 

O registro de MEI foi criado pelo Governo Federal para enquadrar profissionais que exerciam suas atividades profissionais na informalidade. Com a criação da modalidade, uma série de profissionais puderam se formalizar e ter acesso a inúmeros benefícios, como aposentadoria, licença-maternidade, financiamentos etc. 

 

Há uma confusão quanto à figura do MEI e do empresário individual. Eles se diferenciam principalmente com relação à restrição de atividades, ao faturamento anual e ao número de obrigações acessórias. 

 

Noutros termos, nos dois casos, estamos falando de pessoa física (natural) e, portanto, de responsabilidade ilimitada (confusão patrimonial). Logo, o empresário individual pode se inscrever como MEI, sendo possível concluir que o MEI é apenas uma “opção tributária” mais simples e menos onerosa ao empreendedor individual. [3] 

 

Vejamos agora a hipótese da atividade da empresa por intermédio de um ente de personalidade jurídica própria (SLU). 

 

Conforme se sabe, a EIRELI - Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, formato de constituição empresarial por apenas um sócio empreendedor foi extinta e substituída pela SLU - Sociedade Limitada Unipessoal. 

 

No caso em apreço, a inclusão do § 1º do art. 1.052 no Código Civil pela Lei nº 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica) e o art. 41 da Lei 14.195/2021 (Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios) acarretaram, respectivamente, a formação de sociedades limitadas unipessoais e a conversão automática das EIRELI existentes em sociedades limitadas unipessoais. 

 

A EIRELI surgiu para suprir a necessidade do empresário em abrir uma empresa sem sócios, porém, algumas exigências deveriam ser cumpridas, mormente quanto a exigência do aporte mínimo de 100 (cem) salários mínimos ao capital social, com depósito em conta; o empresário também não poderia possuir mais de uma EIRELI. 

 

Deste modo, a sua criação e modelo concebido foi um erro de percurso e decorreu de uma resistência sem fundamento à unipessoalidade societária [4]. 

 

Vale constatar que a EIRELI foi criada para tentar solucionar o problema de alguns empresários que pretendiam implementar seus negócios individualmente. Todavia, acabou criando uma barreira para os pequenos empreendimentos ao impor um capital mínimo para sua constituição, conforme dito acima. 

 

Por seu turno, a SLU confere mais flexibilidade e uma maior dinâmica aos negócios embrionários e promissores protagonizados por jovens empreendedores em comparação a EIRELI, uma vez que não há aquela imposição referente ao aporte de capital social, conforme frisamos. 

 

Não há de fato uma sociedade no sentido literal da expressão na SLU, mas o reconhecimento do ente de personalidade jurídica própria e da sua autonomia patrimonial, pelo ordenamento jurídico, superando a visão contratualista da sociedade, em prol do fomento da atividade econômica organizada. 

 

Há de ressaltar com relação à sociedade unipessoal, a possibilidade de uma mesma pessoa natural poder constituir, sem qualquer trava legal, mais de uma sociedade unipessoal, o que, por si só – num pensamento macro – fomenta o ambiente econômico nacional como um todo, bem como estimula a liberdade de investir e a livre concorrência [5]. 

 

Por fim, entrando um pouco no aspecto tributário, a sociedade unipessoal compartilha das mesmas regras de qualquer outro tipo de empresa. 

 

O empresário, portanto, poderá escolher entre os três principais regimes tributários, quais sejam: Lucro Real, Lucro Presumido ou Simples Nacional, respeitando, por lógica, os limites legais de cada um. 

 

Realizadas essas ponderações, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que não se há de falar em penhora direta de bens do sócio antes da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que sociedade limitada unipessoal não se confunde com o microempresário individual, sendo certo que os patrimônios e personalidades jurídicas do sócio e da sociedade permanecem distintos. 

 

Neste sentido, há precedente desta Corte: 

 

“Sociedade limitada unipessoal que não se confunde com microempresário individual,havendo personalidade jurídica e patrimônio próprios e distintos do seu sócioNecessidade de prévia instauração de incidente de desconsideração de personalidadejurídica, desde que preenchidos os requisitos legais. (embargos de declaração n.º2190644-31.2021.8.26.0000/50000, julgados em 25 de novembro de 2021, pela Colenda 37ª Câmara de Direito Privado. Relator Sérgio Gomes).   

 

 “Não se há de falar em penhora direta de bens do sócio antesda instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da executada, tendo em vista quesociedade limitada unipessoal não se confunde com o microempresário individual, sendo certo que os patrimôniose personalidades jurídicas do sócio e da sociedadepermanecem distintos.Agravo desprovido” (AI n. 2280550-32.2021.8.26.0000. Des. Rel. Lino Machado. 30ª Câmara de DireitoPrivado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Julgado em: 7/02/2022). 

 

Nesse contexto, a criação da sociedade limitada unipessoal é vista com otimismo pelo mercado, em face de propiciar maior segurança jurídica ao patrimônio pessoal do empreendedor, em cenário de riscos, de modo a potencializar a abertura de novos negócios, com maior liberdade econômica, e, assim, favorecer a criação de empregos e promover a entrada de recursos estrangeiros para investimentos. 

 

A elaboração do ato constitutivo, bem como a formatação do binômio regime tributário e porte da empresa, frisa-se, customizada evidencia a importância da advocacia, como um investimento as empresas na sua função de gerir e agregar riquezas, com a mitigação de riscos e conflitos societários, aumentando as suas vantagens competitivas no mercado. 

 

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa)

 

Notas

[1] CAMPINHO, Sérgio. O Direito de empresa à luz do novo código civil. 4ª edição. 2004. Ed. Renovar. Pg. 14 e 28.

[2] BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999.

[3] O Empresário Individual também é um profissional que trabalha por conta própria, mas seu faturamento anual máximo pode chegar até a R$ 360 mil, sendo considerado ME (Micro Empresa), ou até 4,8 milhões, sendo EPP (Empresa de Pequeno Porte), conforme artigo 3º da citada Lei Complementar.

[4] A resistência para a criação das referidas sociedades unipessoais de responsabilidade limitada era a visão contratualista das sociedades, na qual estas deveriam ser constituídas por duas ou mais pessoas mediante contrato escrito (art. 997 do CC), até porque o próprio significado desta palavra significa a reunião de um grupo de pessoas organizada para a realização de uma atividade determinada, como está assente no artigo 981 do Código Civil: “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

[5] Em se tratando de EIRELI, o revogado artigo 980-A, §2º, do Código Civil, dizia: “A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”. É possível ter mais de uma empresa Unipessoal (SLU). No entanto, não é possível abrir uma Sociedade Limitada Unipessoal se já tiver, por exemplo, um MEI. Vide artigo 3º, § 4º, inciso I da LC 123/06.

 

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