Robôs criativos e os direitos autorais

Robôs criativos e os direitos autorais

No mundo da IA, de quem são os direitos autorais?

“Como você define o 'real'? Se você está falando sobre o que você pode sentir, o que você pode cheirar, o que você pode saborear e ver, o real são simplesmente sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro" (Morpheus, Matrix)

 

O ato de pensar e criar sempre foram o diferencial dos seres humanos.

A originalidade tem como fonte o intelecto humano, cuja individualidade, em torno da pessoa do seu criador/autor é de suma importância para o conhecimento geral e desenvolvimento/aprimoramento da ciência e inspiração para novos negócios.

O acesso ao conhecimento e a tecnologia são à base do desenvolvimento e do progresso científico, cultural e econômico de um país.

O prestígio deve focar na originalidade dos criadores de conhecimento e não dos consumidores de ideias.

Na doutrina e na jurisprudência pátria [1], referente à propriedade intelectual, não há discrepância: não há propriedade ou exclusividade de ideias. Sendo criações de espírito, uma vez concebidas, passam a fazer parte do patrimônio comum da humanidade.

A Lei nº 9.610/98 [2] considera obras intelectuais protegidas "as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro" (art. 7º).

No artigo 8º da referida lei está dito que não são objeto de proteção como direitos autorais "as ideias... ou o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras" (incisos I e VII).

Quanto ao tema, a propósito, é de se transcrever os ensinamentos de Deise Fabiana Lange [3], que aborda o assunto com clareza meridiana:

"Para que a obra mereça proteção, é necessária sua exteriorização, isto é, que seja expressada de alguma forma, pois a simples ideia, conjectura ou pensamento que não chega a ser exposto, apresentado de algum modo, está fora do âmbito de proteção desse direito.

Necessariamente a obra terá que ser original, o que não quer dizer nova. A novidade não é interessante ao Direito Autoral, mas, sim, a forma com que a obra é exteriorizada"

Portanto, para fins de proteção, a obra deve ser exteriorizada por qualquer meio, e decorrente de intervenção humana criativa e original, capaz de diferenciá-la com relação à dos demais autores.   

Ponderado estas premissas, observamos no cotidiano inúmeros casos de criação artística e musical via inteligência artificial (IA) com fortes questionamentos e dúvidas quanto à proteção na seara do direito autoral.

Inteligência artificial é o emprego de máquinas como meio de desenvolver funções, análogas a do cérebro humano, como a capacidade de aprender, raciocinar, perceber, deliberar e decidir logicamente sobre os fatos.

Para ilustrar esta temática, veja o caso envolvendo o rapper Sabotage que, após o seu falecimento em 2003, “ressurgiu” em meados de 2016, com a música Neural, lançada por um conhecido serviço de streaming de música e criada por meio de IA, com o auxílio de materiais do artista fornecidos por seus filhos, e, com a participação de amigos, da família e de antigos produtores do músico.

Este grupo, uma espécie de “jurados”, “conselheiros” foram os responsáveis por avaliar a criação das frases, objeto das letras da referida canção, obtidos pelo processo criativo da IA, bem como, aferir a sua compatibilidade com o gênero e peculiaridades marcantes do artista falecido.

Da casuística, indaga-se: os participantes desta criação podem ser considerados coautores da aludida canção pelo fato de terem avaliado quais letras poderiam ter sido compostas e ditas pelo cantor em estúdio ou seria a mencionada canção de domínio público, por ter sido criada de forma preponderantemente artificial (IA)?

Sob outro ponto de vista: o que é real? Virtual? Para tanto, precisamos avaliar o grau de intensidade (participação e originalidade) das pessoas envolvidas neste processo criativo para podermos responder esta indagação. O motivo é simples; o artigo 11 da Lei nº 9.610/98 prevê que apenas seres humanos podem ser titulares de direitos autorais.

Para fins de elucidação quanto a existência de originalidade humana, naquela canção póstuma é imprescindível a realização de uma perícia, quanto ao histórico do gênero musical e das particularidades, como melodia, presentes no acervo musical do paradigma (rapper falecido) e ditas intervenções humanas no processo criativo, por meio de um processo comparativo.

E mais, comprovada a existência de originalidade humana, naquele processo criativo musical de quem são os direitos autorais? Seria conferida ao criador da inteligência artificial, aos seus usuários, ou àqueles “conselheiros” que inseriram as informações necessárias para gerar o conteúdo? Ou, ainda, a autoria poderia ser compartilhada?

Neste contexto é complexa a variedade de casos envolvendo IA e sua proteção no âmbito dos direitos autorais. Portanto, é necessária a análise conforme o caso; a aferição do que é original ou apenas uma inspiração no estilo da obra de determinado artista é uma tarefa bastante árdua, porquanto os conceitos normativos não abarcam situações criadas por aplicações de inteligência artificial.

Neste contexto, em face da nossa legislação não proteger as obras criadas por IA, por não possuírem autoria nos moldes da lei, estariam relegadas a domínio público?

Como nos ensina Einstein [4], “a imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado, enquanto a imaginação abraça o mundo inteiro, estimulando o progresso, dando à luz à evolução. Ela é, rigorosamente falando, um fator real na pesquisa científica”.

Denota-se, portanto a necessidade de uma maior reciclagem jurídica de como podemos ampliar a proteção às obras geradas por IA, pelos seus criadores, em face de seu valor, seja por meio da revisão da legislação ou mediante novos mecanismos legais de aferição da originalidade, tendo como insumo a tecnologia.

Pensamento contrário poderá desestimular o incremento da tecnologia, a prosperidade da ciência e de novos negócios, em proveito da humanidade, pelos criadores de conhecimento.

Somos favoráveis à criatividade, a originalidade, aos juízos de valores, intrínsecos aos seres humanos. Portanto, obras produzidas por “robôs” devem ser protegidas por direitos autorais, atribuindo autoria aos seus inventivos criadores, verdadeiros arquitetos da tecnologia, e, em segundo plano, a cadeia criativa e original daqueles usuários da tecnologia e não as maquinas.  

Até porque, os seres humanos são a única raça autoconsciente no mundo, diferente da ficção presente na franquia de filmes “Exterminador do futuro” [5] tendo como protagonista uma IA altamente avançada (Skynet) - onde máquinas assumem este papel no lugar da raça humana, dando início a uma espécie de holocausto nuclear conhecido como "Dia do Julgamento" por meio de um exército de exterminadores contra os seres humanos, tidos como ameaças a sua existência.

Como dissemos, o conhecimento gera prosperidade. O prestígio deve focar na originalidade dos criadores de conhecimento e não dos consumidores de ideias.

Uma nova era se apresenta: a de uma cultura aberta, experimental e horizontal, tendo como insumos a imaginação, tecnologia e imbuída de valores como a inovação, prosperidade, empreendedorismo e a meritocracia.

 

Notas

[1] Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL. REsp n. 661.022 - RJ (2004/0097417-1). Relator: Min. Castro Filho. DJ 12 de setembro de 2006.

Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200400974171&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea Capturado em 22/05/21.

[2] BRASIL. Lei n. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

[3] LANGE, Deise Fabiana. O Impacto da Tecnologia Digital sobre o Direito de Autor e Conexos, Editora Unisinos, 1996, pág. 21

[4] EINSTEIN, Albert. Religião Cósmica e Outras Opiniões e Aforismos, publicado em 1931.  

[5] The Terminator (Original). Direção: James Cameron. Orion Pictures, 1984.  DVD. 107 minutos.

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).

 

 

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