A tecnologia aplicada no Direito

A tecnologia aplicada no Direito

A tecnologia empregada na prática dos atos processuais não se trata de uma nova espécie de processo, mas tão somente a sua modernização e inovação na esfera procedimental, como ferramenta útil a sua consecução satisfatória.

"Inovação é a habilidade de ver a mudança como uma oportunidade - não como uma ameaça" (Steve Jobs)

 

A tradição inerente à atividade do Poder Judiciário não pode torná-la estagnada no tempo, porquanto deve evoluir de acordo com as transformações e complexidades ocorridas no âmbito da sociedade.

O processo civil contemporâneo, que prima por resultados, não pode ser mais tachado de moroso e ineficiente.

A ordem judicial deve ter como objetivo não apenas metas quantitativas, ou seja, de volume de processos apreciados, meramente estáticos, e também, as de natureza qualitativa, de modo a oferecer uma prestação jurisdicional de qualidade, entenda-se com efetividade.

Efetividade significa analisar os resultados práticos deste reconhecimento do direito ao tutelado, no plano material, exterior ao processo.

Não basta ao direito processual a pureza e a técnica conceitual de seus institutos e remédios; mais importante do que tudo isto é a obtenção de resultados.

Deve, outrossim, o processo ser compreendido inteligentemente e com uma dose inevitável de fluidez. A inflexibilidade e a rigidez são próprias do formalismo ultrapassado e não coexistem com o moderno processo de resultados.

Com amparo nestas premissas e apoiado pelos princípios ideológicos que norteiam o certame judicial, os atos de comunicação processual podem ser revestidos por aparatos tecnológicos, como uma necessidade do processo civil contemporâneo.

Como exemplo prático ocorrido no âmbito do contencioso judicial, na qual ilustra com clareza esta possibilidade do oficial de justiça [1] realizar tais atos, com amparo da tecnologia, transcrevo o teor do mandado de intimação, juntado nos autos da Execução de Título Extrajudicial n. 0004861-07.2013.8.26.0347, em trâmite perante a 3ª Vara Cível de Matão/SP:

 

“CERTIFICO eu, Oficial de Justiça, que em cumprimento ao mandado nº _________ dirigi-me ao endereço: ______, nos dias ___ às _____ horas, e ai sendo, não localizei pessoalmente a _________ para proceder sua intimação, tendo em vista que no local fui atendido pela senhora _____, a qual disse ser _____ do mencionado, informando que ele está em viagem e permanecerá de entre quinze a vinte dias para retornar. CERTIFICO MAIS que, diante de tal informação procedi ainda outras diligências ao endereço em data de ___ às ___ horas e outras tentativas de contato no número de telefone obtida fixado á frente da loja, sendo o número ________, telefone esse que também atende o aplicativo whatsapp por onde enviei várias tentativas de contato (print anexo), inclusive ligando ao número indicado sem ser atendido e encaminhando ainda a contrafé, sendo todos eles visualizados, ao que cientificado de todo o teor do presente mandado o dou por INTIMADO do presente ato”

 

Veja-se, que a certificação dotada de fé publica conferida pelo meirinho, com o auxílio da tecnologia foi importante ferramenta para a efetividade do ato de comunicação processual.

Doutra parte, foi prestigiado na ocasião os princípios da eficiência, celeridade e economia processual, com a diminuição de prática de atos processuais, evitando-se a sua inútil repetição.

Os extratos digitais e os documentos digitais representados, in casu, pelo “print” de visualização do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp [2] comprovam de forma irrefutável a leitura da contrafé pelo demandado, consumando-se o ato, pela sua ciência inequívoca dos termos do processo.

As benesses tecnológicas são mais prestigiadas na esfera societária, frisa-se, não contenciosa.

Observa-se, que a Lei das Sociedades anônimas [3] legitimou nas companhias abertas e fechadas, a possibilidade de participação e voto a distância no parágrafo único do seu artigo 121.

Neste contexto, a tecnologia de videoconferência nas assembleias gerais é um importante meio de modernização e de novos horizontes para o Direito Societário.

Contudo, nos certames judiciais, o Poder Judiciário brasileiro possui um histórico de dificuldade na absorção de novas tecnologias para incorporá-las no seu modus operandi, frutos de um desnecessário e irracional conservadorismo, que perdura, muitas vezes, até os dias de hoje.

O Professor Fabio Ulhoa Coelho [4], ilustra bem essa problemática:

 

“Em 1929, o Tribunal da Relação de Minas Gerais anulou uma sentença criminal porque ela tinha sido datilografada, por considerar que o uso da máquina de escrever podia antecipar a sua publicidade. Nos anos 1980, foi indeferida a petição inicial de um mandado de segurança, porque não tinha sido observado o vernáculo. Na verdade, os primeiros editores automatizados de texto não conheciam os signos do português inexistentes no inglês, como o cedilha e o acento circunflexo. Nos anos 1990, anularam se sentenças judiciais elaboradas com utilização do microcomputador, por receio de que a reprodutibilidade do texto impedia o estudo acurado do processo a que devem se dedicar os juízes”

 

A vida moderna amparada pela tecnologia é intrínseca a vida humana; ao cotidiano do comércio e a rotina das pessoas, em suas necessidades primárias, como transporte, comunicação dentre outras.

Não obstante, a máquina judiciária e todo o seu arcabouço não acompanha essa modernidade e facilidade propiciada pelos meios tecnológicos, em especial nos atos de comunicação processual, para servir de forma satisfatório o jurisdicionado.

O conservadorismo desmedido soa como retrógrado.

A tecnologia é desenvolvida e difundida para maximizar e satisfazer uma necessidade humana, muitas vezes, de modo instantâneo, como os aplicativos de mensagens disponíveis no mercado, propiciando uma melhor comodidade e qualidade de vida.

Em tempos de massificação de ações judiciais e quadro reduzido de serventuários e auxiliares da Justiça, automatizar os atos processuais, ainda que de forma parcial, é uma necessidade e ao mesmo tempo, uma carência presenciada atualmente.

Veja o exemplo prático acima colacionado. Caso o oficial de justiça não tivesse usado do meio tecnológico daquele aplicativo de mensagens, a repetição do ato frisa-se, com baixa possibilidade de êxito, seria muito provável, em detrimento a eficiência e celeridade do processo.

Os efeitos imediatos da comunicação proporcionados pelo aplicativo suprem as limitações e dificuldades de ir ao encontro do demandado quando da expedição do ato, de forma precisa.

A fé pública dos oficiais de justiça amparada pela tecnologia no modus operandi representa não só a valorização de todos os profissionais do Judiciário, aumentando a eficiência da Justiça e da sua credibilidade perante a sociedade, sem descurar da devida segurança jurídica.

Muito se fala em inteligência artificial e das novas tecnologias. Contudo, em nenhum momento serão hábeis a substituir o profissional de Direito, dotado de juízo de valores não assimilados por máquinas.

A tecnologia empregada na prática dos atos processuais não se trata de uma nova espécie de processo, mas tão somente a sua modernização e inovação na esfera procedimental, como ferramenta útil a sua consecução satisfatória.

A mudança se restringe tão somente quanto ao meio e a forma como se desenvolve os atos processuais, realçando a instrumentalidade das formas no processo.

Neste contexto, realçamos a importância dos princípios de Direito na interpretação dos resultados dos atos processuais referente à citação e a intimação, como o da boa-fé processual, cooperação e da ciência inequívoca, de modo a coibir o uso predatório irracional e ineficiente da máquina judiciária.

A finalidade destes atos processuais, qual seja, dar ciência da demanda e dos atos e termos do processo ao seu destinatário, deve ser o fim, prevalecendo-se sobre a forma, cujo auxilio da tecnologia é de substancial valor, em face da sua agilidade e precisão.

Afinal de contas, transpondo um pensamento de Fernando Pessoa, para a necessidade de uma maior assimilação da tecnologia pelo judiciário, “eu não quero o presente, quero a realidade; Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede” [5]

*Foto  Free-Photos por Unsplash (Imagem ilustrativa)

 

Notas:

[1] Os oficiais de justiça são auxiliares permanentes da justiça, lotados em determinado cartório judicial. São incumbidos de realizarem as diligências processuais externas nos termos do artigo 154 do CPC. A atividade processual exercida por estes profissionais engloba os atos de comunicação processual, consistentes nas citações ou intimações a serem cumpridas por mandado (artigos 249, 250 e 275 do Código de Processo Civil). Os seus atos, assim como o do escrivão tem fé publica, o que significa dizer que suas certidões são tidas como verdadeiras, sem qualquer necessidade de comprovação, até que o contrário seja provado (presunção juris tantum).

[2] “WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones. Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e documentos em PDF, além de fazer ligações grátis por meio de uma conexão com a internet” CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/WhatsApp. Capturado em 13/05/19.

[3] BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

[4] COELHO, Fabio Ulhoa. O Judiciário e a tecnologia. Portal Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI298546,91041- O+Judiciario+e+a+tecnologia. Capturado em 13/05/19.

[5] “Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

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