"Coragem para a luta"

"Coragem para a luta"

     “Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta!” é, para mim, uma das melhores e mais emocionantes aberturas de livro que já tive o prazer de ler. É de um romance de autoria do Raul Pompéia. Confesso que não consegui ler o livro todo. Pode ter sido devido ao estilo denso do autor, à falta de disponibilidade minha, naquele momento, para uma leitura exigente, a tentação, sempre presente, de outros livros, outras estórias, outros autores... A verdade é que inúmeras poderiam ser as razões que encontraria ou forjaria na tentativa de me abonar de um sentimento de fracasso. Mas – e gosto de pensar que foi isso mesmo – a justificativa que mais me alivia do sentimento de desistência do livro, contra a qual tendo muito lutar, pois um livro – assim como a vida – pode nos surpreender a qualquer momento, foi a de que apenas esse trecho já havia cumprido sua função: a de abrir, ao menos dentro de mim, uma pontada de excitação e curiosidade misturadas ao sentimento de temor ao desconhecido.

    Penso, também, que esse trecho poderia inaugurar qualquer início de terapia, ou mesmo de cada sessão de terapia. Sentimentos muito parecidos são vivenciados por aqueles que, iniciantes ou veteranos, enveredam-se por essa via, em busca de um encontro consigo mesmo. No livro, há a advertência de que este aviso constitui uma verdade, daquelas de difícil elaboração. Ainda, o autor tende ao lado negativo, daquele ultimato que retira as ilusões e lança a pessoa ao mundo de fora sem a proteção do "amor doméstico". Talvez esse seja realmente o sentimento mais apropriado com a proximidade de uma experiência em um internato, tal qual ocorre no livro e cujo nome Ateneu faz referência. Felizmente, na terapia, não é o mesmo que ocorre. Bem sabemos que o duplo está sempre presente, não havendo apenas experiências da ordem de uma perda de ilusões, inicialmente desestabilizadora, mas que traz consigo a possibilidade de construção de uma vida mais consoante com quem se é.

     Podemos, como psicólogos, convidar, quando o paciente nos procura, a conhecer/encontrar um mundo, o mundo interno dele mesmo, que talvez dele ainda nem tivesse notícia. Um mundo povoado de desejos, medos, angústias, sensações à espera de um nome. Podemos, ainda, acompanhá-lo em seu percurso de descoberta de uma mente, dentro dele, ou de construção dessa mente, que possa funcionar como um invólucro continente para emoções ainda não pensáveis. Podemos, ainda, auxiliá-lo no desenvolvimento de uma função pensante dessa mente que, atrofiada pelo pouco uso, sobrecarregada por situações emocionais extenuantes ou ainda emocionalmente não ambientada, constituem condições que atrapalham sua funcionalidade.

     Talvez o que possamos dizer para nosso paciente, cada psicólogo a sua maneira, é que é preciso muita coragem para entrar em contato com o seu mundo interno, que existe uma luta entre querer e não querer sempre muito presente durante toda a terapia. E que fazer terapia – assim como viver – dá medo, muito medo. E que é preciso coragem para se ter medo. E mais coragem ainda para se ir além do medo.

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