Fim de ano

Fim de ano

    É chegado o fim do ano. Um período que demarca uma transição entre tempos já vividos e outros a se viver, a se sonhar. Olhando em retrospectiva, há sempre momentos a serem revistos, revividos e ressignificados. Entre balanços e balancetes, avalia-se o saldo final, se positivo ou negativo, esperando-se sempre um ano ainda melhor.

     Carlos Drummond de Andrade apresenta, de forma poética, um dos significados desse período:

Reinauguração

Entre o gasto dezembro e o florido janeiro,
Entre a desmistificação e a expectativa,
Tornamos a acreditar, a ser bons meninos,
E como bons meninos reclamamos
A graça dos presentes coloridos.
Nossa idade – velho ou moço – pouco importa.
Importa é nos sentirmos vivos
E alvoroçados mais uma vez, e revestidos de beleza,
A exata beleza que vem dos gestos espontâneos
E do profundo instinto de subsistir
Enquanto as coisas em redor se derretem e somem
Como nuvens errantes no universo estável.
Prosseguimos. Reinauguramos. Abrimos os olhos gulosos
A um sol diferente que nos acorda para os
Descobrimentos.
Esta é a magia do tempo.
Esta é a colheita particular
Que se exprime no cálido abraço e no beijo comungante,
No acreditar da vida e na doação de vivê-la
Em perpétua procura e perpétua criação.
E já não somos apenas finitos e sós.
Somos uma fraternidade, um território, um país
Que começa outra vez no canto do galo de 1º de janeiro.

    Observa-se uma necessidade premente de  que se encerre um ciclo para que um novo se inicie. Aguarda-se para o ano vindouro novas ideias, novos planos, novos sonhos, novas atitudes. Para alguns, o clima festivo de fim de ano vem carregado de sentimentos de esperança e renovação, expectativas e desejos. Para outros, no entanto, esse período reativa sentimentos de angústia e solidão. Uma vez sendo uma data instituída externamente, a pessoa pode não se sentir pertencendo ou correspondendo ao clima instilado, que remete à comunhão, à fraternidade e à comemoração.

    O que inevitavelmente esse período marca, no entanto, é a indelével passagem do tempo, com suas realizações e frustrações, com seus desejos e decepções, com suas perspectivas e angústias, a presença constante dos avessos. Desperta no íntimo pensamentos, sentimentos e emoções contraditórios, um misto de excitação e de angústia, de encontros e desencontros, comunhão e solidão. O que alivia é a crença quanto à possibilidade de recomeçar, reconstruir, recriar, reinventar-se. E, acima de tudo, voltar a acreditar, como nos lembra o poeta Drummond: "É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre". 

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