MAIS UMA DAS MUITAS ESCOLHAS DA VIDA

MAIS UMA DAS MUITAS ESCOLHAS DA VIDA

Escolher uma profissão não é tarefa fácil; pelo contrário, costuma mobilizar dúvidas, medos, idealizações e muita, muita angústia. Rubem Alves, em seu texto “Muito cedo para decidir”, traça um paralelo entre a escolha quanto à profissão e costumes, em algumas sociedades, quando os casamentos e seus contratos ocorriam cedo na vida, em uma decisão, até então, considerada irremediável, para o resto da vida. Para o autor, o adolescente, prestes a realizar o vestibular, refuga, tem medo, quando então precisa se decidir “para o resto de sua vida” o nome da profissão a qual irá seguir.

Se, na visão do autor, para o casamento, basta amar, para escolher a profissão, faz-se necessário, além de amar, também saber, inclusive o que amar, o que leva não só tempo, mas experiência, amadurecimento... A agonia de escolher o que, dentre tantas opções, mais se gosta e se quer exercer, em nome da qual se renuncia a todas as demais escolhas é uma decisão que exige muita entrega e pode acarretar muita dor. Atualmente, a infinidade de opções de carreiras existentes, em suas mais distintas e múltiplas especializações, torna ainda mais árduo e árido o processo de escolha profissional.

Quando, então, essa escolha entra na lógica da vida como sendo uma corrida, na qual não se pode ficar para trás se se quer ganhar, como destaca Rubem Alves, a ansiedade, a confusão e o medo só aumentam. Pode-se, ainda, ressaltar a dificuldade quando a escolha profissional encontra-se associada a uma idealização de perfeito encaixe mão-luva: um ajuste entre ambas, como se uma – a luva – tivesse sido feita para a outra – a mão –, somada a uma ilusão de plena satisfação; aí, então, a decisão e a escolha ganham uma proporção terrorífica. Ainda, a busca desenfreada pelo gozo do prazer constante, que possa ser garantido na ausência de frustrações e dificuldades, não apenas dificulta como impossibilita qualquer escolha. Ora, a própria escolha implica a vivência de frustrações que necessitam ser toleradas.

Além disso, quando o olhar para o que se perde suplanta o que se pode ser e o que a escolha permite ter e fazer, efetivar a escolha se torna, então, insustentável, irrealizável e muito, muito idealizada. Se escolher envolve, por um lado, ganho, em outras tantas dimensões implica também perdas e, por sua vez, dor mental, compatível com a quebra da onipotência infantil em que não se pode nem ser, nem ter, nem se fazer tudo, a percepção de que somos, pois, humanos.

Mas em uma sociedade em que a ordem é a do evitar e negar o conflito e a dor psíquica, como se não fizessem parte da vida, entrar em contato, pensar, elaborar, viver e aprender com a experiência também são negados. E, assim, a si mesmo se nega a possibilidade de se desenvolver nas e através das frustrações, perdas, escolhas, enfim, pelas vivências da vida, que, ainda que não possam ser vividas de forma a trazer satisfação plena, podem ser vivenciadas no plano do real e do possível. Escolher supõe contato também com os limites da própria decisão, com dores e conflitos, frustrações e insatisfações. Afinal, somos seres incompletos motivados por um desejo – não totalmente satisfeito – de realização total.

São muitas as dúvidas e os medos, mas apenas se puder senti-los e enfrentá-los é que escolhas realistas podem ser efetivadas. Idealizando-se a escolha, nada, nenhuma opção poderá ser considerada como satisfatória. Quando potencializada pela idealização de si mesmo, nada poderá ser bom o suficiente, o que faz duvidar do valor da opção possível, pois, claro, deverá haver uma escolha muito melhor do que a que se encontra disponível e que, escolhida outra opção, estaria para sempre perdida. Sem o rompimento da idealização, inclusive de si mesmo, uma opção existente fica impossibilitada de ser reconhecida como suficientemente boa. O acompanhamento psicológico, nesse percurso, auxilia a pessoa a se compreender em meio a tantos sentimentos e vivências despertados, facilitando que a escolha possa ser mais consciente e satisfatória. O encaixe perfeito, apesar de desejado, é fruto de muita idealização e defesas do indivíduo diante de algo que mobiliza angústia, não apenas no campo da escolha profissional. Afinal, essa é mais uma dentre tantas escolhas da vida.

 

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