O envelhecimento e suas vicissitudes

O envelhecimento e suas vicissitudes

Segue entrevista concedida a Laura Scarpellini para o Portal Revide:

 

- Percebemos que o Brasil está mais maduro, pois a população idosa aumentou no país. Como você analisa a situação dos idosos no Brasil? 
Ana Flávia: Observa-se, atualmente, um aumento significativo da população idosa em todo o mundo e particularmente no Brasil, devido a melhorias e avanços em diferentes áreas, em especial a da saúde, da medicina e suas tecnologias, impactando na expectativa média de vida do indivíduo. No entanto, as condições necessárias que possam oferecer sustentação a esse novo panorama não se desenvolveram na mesma intensidade. Ainda, as políticas públicas voltadas a essa população são consideradas insuficientes, demandando mais estudos e novos desdobramentos. Envelhecer, ainda que seja um processo natural, implica importantes mudanças físicas, psicológicas e sociais que não podem ser ignoradas. A longevidade é um fenômeno recente e necessita vir  acompanhada de mais qualidade de vida aos anos a mais conquistados. 


- Por que há tanta dificuldade em se lidar com o envelhecimento? 
Ana Flávia: Há dificuldade da sociedade em lidar com o envelhecimento e com a passagem do tempo, que envolvem questões culturais. Esse processo implica percepções e questionamentos ligados a áreas conflitivas, que indagam a respeito da própria existência e finitude, envolve mudanças nos papéis sociais que afetam a própria identidade do idoso, além das perdas que a pessoa enfrenta nesse momento de sua vida. Em um país em que se cultua a juventude, perseguindo-a a todo custo, envelhecer se torna ainda mais difícil. 


- Idosos tem buscado terapia? Por quais motivos? 
Ana Flávia: Cada vez mais idosos têm buscado a terapia, tendo eles seus 65, 70, 80 anos ou mais. Essa fase da vida descortina o processo de envelhecimento, momento em que várias questões se impõem, tais como a finitude; as limitações do corpo, com a percepção de perdas ou declínios em suas  funções e mesmo aparecimento de doenças; perdas de diferentes ordens, tais como mudanças em seu lugar na sociedade, de produtivo e mais valorizado para outro menos ativo e muitas vezes considerado de menor valor social. Ainda, as perdas envolvendo morte de familiares, colegas; diminuição das relações interpessoais; preconceitos associados ao envelhecimento; sentimentos intensos de perda, tristeza, solidão, dependência, insatisfação; de perda de perspectiva e sentimento de descontinuidade da vida, todas essas vivências que podem levar a um isolamento social e emocional, acompanhadas de um intenso sofrimento psíquico. Nesse momento, a psicoterapia e a psicanálise podem contribuir muito. Há, muitas vezes, a percepção de um descompasso entre o externo, com as mudanças físicas, e a vivência interna. Questões complexas e subjetivas tais como dos significados e sentidos atribuídos à vida, conflitos existenciais, e os lutos vivenciados, mesmo em relação ao próprio corpo, beleza, juventude, status social, mudanças e perdas na vida, necessitam encontrar novos lugares dentro do idoso, promovendo uma percepção de si mesmo mais consoante ao seu momento de vida, reavaliando-se valores e ampliando a visão de si e do mundo, reinventando novos modos de se viver a própria vida. 


- Como psicóloga, o que é envelhecer de forma saudável? Como viver feliz a velhice?
Ana Flávia: O processo de envelhecer possui suas especificidades, sendo que cada um pode encontrar satisfação no seu modo particular de viver mais esse momento de sua vida. A esse respeito, no entanto, podemos pensar que a longevidade deve vir acompanhada de uma qualidade de vida, o que muitas vezes não acontece. A maneira como o idoso se percebe, envolve-se com a vida e a ela atribui sentido impacta no seu envelhecimento. O modo como se reposiciona na vida, vivenciando experiências de modo diferente de outrora, como é o caso de avós com seus netos, que se permitem se relacionar com mais liberdade com os pequenos. Estudos apontam a importância do relacionamento familiar e interpessoal, que auxiliam nesse processo, indicando a necessidade  de se manter o investimento nos vínculos afetivos. Ainda, o engajamento em atividades e círculos sociais produtivos, que permitam a assunção de funções e papéis compatíveis com o reconhecimento das mudanças vivenciadas, dos seus limites e potencialidades, favorece a criação de novas forma se viver a vida. Além disso, a possibilidade de reconstruir sua própria história de vida, restaurando-a, compartilhando-a, permite ao idoso sentir-se vivo, sentir que sua história lhe pertence. O modo como o idoso puder lidar com o confronto de valores vivenciados, com as mudanças percebidas, influenciará a maneira como irá experienciar o envelhecimento, de uma forma mais positiva ou mais sofrida. Nesse sentido, a Psicanálise pode contribuir, possibilitando viver as transformações necessárias, com seus respectivos lutos, e possibilitando se recompor, conviver com essas mudanças psíquicas, físicas, sociais, abrindo-se para um desconhecido e novo ciclo da vida, ressignificando-o e se adotando a nova experiência conquistada.

 

Algumar partes da entrevista podem ser conferidas em: https://www.revide.com.br/noticias/10-dicas-para-chegar-terceira-idade-vendendo-saude/

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