Patologização do cotidiano

Patologização do cotidiano

     "Queremos diminuir a apropriação que a Medicina faz da vida cotidiana" é um pensamento elaborado por Paulo Amarante, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental, ao se referir à patologização do cotidiano, em entrevista à Revista Radis. É defensor ferrenho da mudança do modelo assistencial no campo da saúde mental, contribuindo ativamente para os desdobramentos que a Reforma Psiquiátrica alcançou no país.

     De um modelo centrado na doença para uma atenção focada no sujeito, a Reforma conclama a participação de TODOS no cuidado à pessoa em sofrimento mental. Ao mesmo tempo, denuncia abusos ocorridos nos manicômios em nome do que se considerava tratamento, mas que, por seu turno, favorecia a exclusão, falta de autonomia e desumanização do cuidado. Ainda, questiona a internação como única via, expandindo o tratamento para recursos extra-hospitalares, comunitários, prioritários na atenção em saúde mental. Para Paulo, a Reforma vai além de reestruturação dos serviços e de humanização da atenção manicomial, considerando o protagonismo e autonomia dos trabalhadores e a consideração do usuário enquanto sujeito e em sua diversidade.

    Paulo adverte, ainda, que, ao passo que se tem avançado na superação do modelo asilar manicomial, centrando-se na desospitalização, tal desenvolvimento não foi acompanhado pela desmedicalização, não no sentido de redução de medicamento, e sim de uma diminuição da influência que a Medicina e o discurso médico possuem na vida e no cotidiano das pessoas. O que se encontra em jogo, então, é uma mudança cultural que desaproprie do modo discursivo médico sua hegemonia e sua consequente patologização da vida.

   A mudança que se espera vai além de uma reforma das instituições, de seus muros, da proposição de serviços substitutivos... Necessita-se de uma mudança que venha de dentro, que aponte para a centralidade das relações, uma mudança de cultura, de concepção a respeito da normalidade e da loucura, do diferente, da alteridade, pois os muros que excluem, isolam, desumanizam não estão apenas fora, nos manicômios, nas instituições, mas dentro de cada um de nós.

 Para acompanhar a entrevista dada por Paulo Amarante à Revista Radis (09/11/2014), segue o link: https://culturaverde.org/2014/11/09/queremos-diminuir-a-apropriacao-que-a-medicina-faz-da-vida-cotidiana-entrevista-com-paulo-amarante/.

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