Repensando a depressão

Repensando a depressão

Ricardo Boechat, jornalista, veio a público explicar seu afastamento do telejornal. Honesta e generosamente compartilhou uma experiência pessoal difícil, mas que possibilita alertar e  repensar o sofrimento da depressão. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 400 milhões de pessoas sofrem de depressão, sendo considerado um grave problema de saúde pública. É caracterizada, entre outros aspectos, por tristeza, perda de interesse ou prazer, sentimentos de culpa, impactando negativamente no sono, apetite, disposição e concentração do indivíduo.

Boechat começa explicando uma sensação para a qual parece não haver nome: "Minutos antes de começar o programa de rádio da quarta-feira retrasada eu simplesmente sofri um colapso, um apagão aqui no estúdio. Nada na minha cabeça fazia sentido. Nenhum texto era compreensível. Os pensamentos não fechavam e uma pressão insuportável dava a nítida sensação de que o peito ia explodir. Fiquei completamente desnorteado e achei melhor me refugiar no meu camarim e esperar socorro médico.", admitiu o jornalista.

Relata que, ao passar por avaliação, foi diagnosticado com um quadro agudo de depressão. A respeito, adverte: "É importante não esconder a doença, não esconder a depressão. Não tratá-la na clandestinidade. É importante aceitá-la para combatê-la — e todo o silêncio, do próprio doente ou de quem está à sua volta, dificulta a recuperação. E essa necessidade de não fazer segredo, além da sinceridade que faço questão de manter na relação com os ouvintes, é a razão deste depoimento pessoal que estou dando para vocês.”. Descreve o que sente: "A depressão é muito mais que isso e muito mais séria. É uma aflição tão severa que restringe a capacidade de uma pessoa funcionar plenamente, um abismo mental tão profundo que ninguém pode achar que vai se safar apenas endireitando os ombros ou pensando coisas positivas. Não, minha gente, essa escuridão da mente e do estado de espírito é mais do que um simples desânimo.". Ao ir ao médico, descobriu estar com sintomas de um quadro depressivo: “Quem cai em um quadro desses perde qualquer condição de ficar ativo, de pensar as coisas mais simples. É como se a pessoa morresse ficando viva.”, desabafou.

Finaliza desculpando-se: "Eu sei que quem liga o rádio numa estação de notícias quer receber informações de interesse geral, quer saber da política, da economia, dos acidentes, do engarrafamento nosso de cada dia. ntão peço desculpas por não entregar nada disso a vocês neste papo inicial no dia de minha volta. Nada de impeachment, de renúncia, de Cunha, de Renan, de inflação, do ajuste fiscal e de tantas outras coisas que só tem feito infernizar nossas vidas mas que são as manchetes do momento.".

Não, Boechat, nós que o agradecemos pela confidência aberta, sincera, expressiva, humana e verdadeira; por oportunizar falar sobre um sofrimento tão freqüente, e tão incompreendido e que causa sensações e sentimentos pouco reconhecidos enquanto sofrimento real; por propiciar que inúmeros ouvintes/leitores/indivíduos se sintam mais compreendidos e talvez menos solitários em suas vivências, tendo validadas suas experiências; por favorecer que um sofrimento muitas vezes incapacitante, que vem acompanhado de preconceitos, desconhecimento e desinformação, possa ser veiculado, discutido, debatido, conversado, o que pode auxiliar a reduzir a dor de quem sofre a depressão e de seus familiares.

Ainda, seu compromisso com a verdade foi mantido. Catástrofes, tragédias, conflitos não são apenas os externos. As dores e sofrimentos internos são equivalentes a desmoronamentos, furacões, tempestades e causam importante impacto, que, no entanto, muitas vezes os negamos, não podemos ver, dos quais nos distraímos ao nos ocuparmos dos acontecimentos exteriores a nós. O que se observa, porém, é que a depressão, assim como apontado por Maria Rita Kehl, psicanalista, denuncia o modo como estamos vivendo e também os valores de nossa época.

E respondendo a sua coragem, ora, Boechat, como disse Manuel Bandeira: "(...) só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.".

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