Ocupando os espaços públicos

Ocupando os espaços públicos


Conheci o senhor Luís, da Vila Tibério, na Secretaria da Infraestrutura. Tinham me informado que ele costumava trazer as reivindicações do bairro, era um sujeito afável e que, a despeito de todos os pedidos, compreendia as dificuldades da pasta para atender a todas as solicitações. Logo que assumi o cargo, quis me conhecer, acho que para dar boas-vindas.

Passados alguns dias, o senhor Luís voltou à Secretaria e pediu que o ajudássemos na finalização de um trabalho, feito por ele e pela comunidade, de recuperação de uma área pública que estava abandonada, que estava sendo ocupada por mendigos, por catadores de lixo e usuários de drogas. A comunidade adotou o espaço, fez uma quadra de bocha, cercou o local, limpou e pintou o muro. Para deixar tudo pronto, agora, faltavam os pedriscos. O senhor Luís me levou o convite para a inauguração, que aconteceu no dia 9 de março.

Todos sabem que quando a cidade tem seus espaços públicos esvaziados, desocupados, o cidadão se distancia e deixa de cuidar daquele lugar por não se sentir parte dele. Imagine a minha surpresa quando compareci ao local e pude constatar que, quando a população se une e toma conta do espaço, acontece o verdadeiro espírito de cidadania. Embaixo de uma árvore, a comunidade rezava um terço e compartilhava aquele momento de vitória.

Fiquei verdadeiramente emocionada porque acredito muito que esta seja uma das alternativas para dar conta das enormes demandas da nossa cidade. É preciso ocupar os espaços públicos, criar áreas de convívio. As praças e as áreas verdes precisam ser utilizadas pelas pessoas que moram no entorno, pois só assim conseguiremos viver com dignidade.

Lembro que, nos últimos anos, na Fundação Feira do Livro, vivenciamos problemas com os adolescentes que querem participar da Feira, mas cuja integração começou a se transformar em tumulto. Eles vinham em grupos, gritavam, queriam ocupar aquele espaço que, na cabeça deles, não era para eles. A Feira, quando se realiza em espaços abertos, provoca na sociedade as contradições que abarcam seu corpo social. Brigamos muito para não trazer a Polícia e defendemos que a única maneira de fazê-los parte daquele evento seria recebê-los bem e buscar um diálogo, trazendo atrações direcionadas a esse público.

Se buscarmos explicações para o que hoje se chama de “rolezinho”, comum nos shoppings e nos parques, acredito que encontraremos como resposta justamente a ausência de equipamentos culturais e de entretenimento onde esses jovens moram. Se as praças estão sujas, se não há cinemas, teatros e outros espaços culturais para que eles possam ter uma vida social naquela comunidade, como partilhar a convivência com os amigos?

É preciso compreender que os direitos são de todos e, enquanto não fizermos esta lição de casa, continuaremos a ver cenas de intolerância de ambas as partes: daqueles que se sentem invadidos e daqueles que se sentem invasores. É preciso buscar uma terceira via.

No livro “A sociabilidade do homem simples”, o autor José de Souza Martins afirma que é no ordinário, no banal da nossa vida social, que estão os caminhos para uma ação transformadora. Segundo o escritor, é nas singularidades que podemos ser os protagonistas da História. “Todos nós somos esse homem que não só luta para viver a vida, mas que luta também para compreender um viver que lhe escapa, porque não raro se apresenta como absurdo, como se fosse um viver destituído de sentido”.

O que o franzino senhor Luis mostrou, junto com os moradores da Vila Tibério, que é possível mudar a paisagem do bairro com cidadania e com solidariedade. A cidade precisa ser um lugar para a construção da cidadania, e foi isso que esta gente simples conseguiu.

Isabel de Farias
Secretária de Infraestrutura e Coordenadora da Limpeza Urbana de Ribeirão Preto

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