Angústia e poesia

Angústia e poesia

Um dos sentimentos mais complicados de se definir é a angústia. Pelo dicionário, há significados para a palavra, mas também para o conceito, a partir de diferentes filósofos. Para Kierkegaard (1813-1855), angústia seria um sentimento de ameaça impreciso e indeterminado inerente à condição humana, pelo fato de que o homem, ao projetar incessantemente o futuro, se depara com a possibilidade de fracasso, sofrimento e, no limite, a morte. Para Heidegger (1889-1976), seria a situação afetiva fundamental despertada pela consciência da inevitabilidade da morte. Já Sartre (1905-1980) definiu angústia como a consciência da responsabilidade decorrente da infinita liberdade humana.

Mais fácil do que definir esse estado de inquietude e tormento, é senti-lo. Raro encontrar quem não tenha experimentado um aperto no peito, sem saber explicar, exatamente, como e por que a dor apareceu. A origem do sofrimento nem sempre é conhecida, mas o que passamos um bom tempo procurando, na vida, é uma maneira melhor de lidar com essa sensação ou qualquer outro desalento que nos acometa.

A filósofa e psicanalista Viviane Mosé esteve em Ribeirão Preto durante a Feira Nacional do Livro. Acompanhei sua apresentação no Theatro Pedro II, no último sábado. Estudiosa de Friedrich Nietzsche (1844-1900), ela, que também é poetisa, iniciou sua palestra, justamente, com uma reflexão sobre a angústia. Quando criança, ela contou, perguntou à mãe o que existia antes de Deus. A mãe respondeu que era a escuridão e ela sentiu pena. Imaginou um pequeno ser, que seria Deus, no meio de um cenário sombrio, sem ter muito que fazer.

A imaginação daquela menina e aquele sentimento angustiante de não saber exatamente a origem das coisas e sem encontrar explicação concreta para a vida permearam sua trajetória. Movida por um desejo interno de agradar o pai, leitor voraz, Viviane Mosé se dedicou ao estudo e a filosofia pareceu o caminho adequado diante de tantos questionamentos e dessa inquietude. 

No estudo da filosofia, Nietzsche aparece, então, com conceitos que a ajudaram a desvendar – ou, ao menos, desenvolver – tantos mistérios da vida. Um dos principais deles é a “vontade de potência”, que seria, segundo o pensador, a principal força motriz dos seres humanos, manifestada por meio do desejo de realizar e conquistar.

É essa vontade que repercute em todos os processos vitais e que transforma a vida em total fruição, que surge quando deixamos todas as sensações fluírem, num constante movimento, interno e externo. E é essa agitação que podemos chamar de vida.



“É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”.
Friedrich Nietzsche



Quando interrompemos esse processo, sem deixar sentimentos, ações e sensações fluírem, bloqueamos também nossa vontade de potência e deixamos de desfrutar daquilo que nos é oferecido. "Uma doença pode ser, muitas vezes, um poema que não saiu”, disse Viviane Mosé em sua apresentação, refletindo sobre tudo aquilo que precisamos externar, mas que, por algum motivo, prendemos dentro de nós. 

Mesmo sem encontrar todas as respostas e justificativas, descobrir nossos meios íntimos e particulares de fruir a vida é o que realmente nos fará superar as angústias. É sabido que o sofrimento pode sempre aparecer, cabe a nós lidar com ele e desfrutar daquilo que denominamos vida – ainda que não saibamos, ao certo, defini-la. 

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