Aquilo que transborda
Em tempos de seca, parece até inapropriado falar justamente daquilo que, como água em excesso, não se atém a limites e transborda. Aqui, no entanto, refiro-me a pessoas. Ouso dizer que todos nós, em um momento ou em outro, transbordamos, e o que ultrapassa os limites é exatamente aquilo que sobra em nós. Pessoalmente, pode ser sorriso e paciência ou tristeza e angústia, por exemplo; profissionalmente, energia e criatividade ou frustração e paralisia. Em ambos os casos, é preciso acender o alerta.
Para não ser invasiva, aqui, é o universo corporativo que interessa. Destaco, antes de mais nada, que pessoas intensas demais em seus ambientes de trabalho são cada dia mais raras. No meio corporativo, com exceção basicamente dos proprietários — e por questão de sobrevivência —, encontrar profissionais dispostos a sair do conforto de suas funções pré-estabelecidas e ousar é um desafio cada vez maior. Essas características são muito evidenciadas no perfil das novas gerações, que precisam de estímulo constante para se sentir provocadas a fazer mais. No entanto, esses novos profissionais ainda não são maioria, especialmente no interior, onde as mudanças acontecem, geralmente, de maneira mais suave.
Ainda assim, eles estão lá. Sem perceber, os profissionais que transbordam estão, em minutos, fazendo aquilo para que não foram designados, comprometendo-se com o resultado da equipe ao lado, além da sua, desempenhando a função daquele que, por um motivo ou outro, precisou se ausentar. Inicialmente, eles transbordam energia, pois é exatamente isso que têm de sobra. São comprometidos com resultados, não se preocupam com horário e gostam de surpreender — a si mesmos, principalmente.
Ter um profissional como esse em seu time pode parecer uma grande sorte. Afinal, quem não quer contar com essa força, essa vontade, esse excesso? Mas, na verdade, não são só flores. Justamente porque as pessoas transbordam exatamente aquilo que sobra nelas mesmas, estes profissionais também exigem uma dose extra de atenção. Canalizar tanta energia para aquilo que efetivamente sirva aos objetivos da empresa não é tarefa fácil, nem mesmo para grandes líderes, que são figuras mais raras do que se imagina no mundo corporativo. Como dá para supor, tanta abundância também pode, certamente, provocar algumas enchentes — daquelas que invadem casas e causam danos. Outro risco que se corre nesse sentido é o de ver esse profissional encontrar outro destino para sua energia excessiva. Sim, porque essa é a única possibilidade que o resta, uma vez que ser menos, enquadrar-se nos limites, fazer apenas o que lhe cabe, não é uma opção.
Para alguns, esse risco constante significa também um desafio positivo: de manter os objetivos alinhados, a equipe estimulada e toda a máquina em movimento. Para outros, quer dizer apenas muito mais trabalho e, pior, sem resultado certo. Até aqui, sempre optei pelo risco daquilo que transborda, do que é visceral, do que me surpreende. Em todos os sentidos, o meio termo pouco me agradou durante a vida — tendo, eu mesma, a transbordar, mas, talvez pela experiência, o efeito do que excede em mim tenha se tornado mais previsível.
Isabel de Farias
Secretária de Infraestrutura e Coordenadora da Limpeza Urbana de Ribeirão Preto