A arte do imperfeito

A arte do imperfeito

Como será que podemos minimizar os aborrecimentos, o impacto e as tristezas que nos são causadas pela importância que damos às outras pessoas – sejam elas próximas ou nem tanto assim? Será que é possível passar ao largo dos incômodos? Tenho pensado sobre tudo isso nos últimos dias. Procurei pela possibilidade de criarmos mecanismos que minimizem nosso sofrimento nas relações interpessoais e na convivência.

Num primeiro momento, acreditei que seria possível um esforço tamanho, a ponto de fazer com que o outro não tenha significância em nossa vida. Depois, questionei se a indiferença seria realmente o melhor caminho para lidar com os problemas e as tristezas que nos são causadas pelos relacionamentos pessoais ou profissionais.

Para a Monja Coen, que muito reflete sobre a tenuidade da separação entre desapego e apatia, desapegar-se de algum sentimento não significa apartar-se da realidade: significa aceitar o sentir ou o não sentir, sofrendo no caso de a situação não ser agradável, mas sem carregar a angústia por muito tempo.

Embora eu realmente queira me incomodar menos com o comportamento alheio e me afetar menos pelas relações pessoais que estabeleço, sei que isso pode resultar na falta de importância do outro em minha vida. Uma vida sem afeto ou sem sentimento não deve valer a pena ser vivida.

Nos últimos tempos, essa reflexão tem me acompanhado e posso dizer que consegui avançar. Algumas tristezas que eu carregava comigo por causa de desentendimentos com pessoas queridas perderam a intensidade. Não acho que eu tenha deixado de me importar ou de sentir afeto, mas talvez eu tenha descoberto uma maneira de chegar até à beira e não dar o passo seguinte ao precipício.

Segundo a monja, durante a vida, sempre nos apegamos a algo ou alguém – e fazemos isso no plural. Só que, para ela, em vez de sermos controlados pelas emoções, precisamos reconhecê-las quando surgem e atuar de forma adequada para que haja transformação.

Como restabelecer uma conexão com alguém depois de um desentendimento? Como se reconectar depois daquela sensação que anda bem na moda, o “ranço”? Talvez como uma tentativa de minimizar as sensações ruins, tento aderir à metáfora de kintsugi, uma técnica japonesa considerada “a arte da imperfeição”. O método consiste na restauração de cerâmicas quebradas com pó de ouro, prata ou platina. Depois do reparo, as rachaduras ficam visíveis e se transformam em cicatrizes evidentes, douradas. Em vez de perder o valor ou ser descartada, acontece o contrário: a peça resiste e se transforma em um objeto novo e único.

Naturalmente, não é fácil retomar um relacionamento ou um sentimento depois de uma avaria e eu não quero, aqui, prestar um falso testemunho de desentendimentos superados ou felicidade retomada. O que quero é compartilhar o exercício diário e humano de alternativas saudáveis para lidarmos com o outro – e, especialmente, com nós mesmos. É preciso achar o tom e calibrar as nossas sensações. 

Que possamos transformar todas as nossas rachaduras, com colegas de trabalho, amigos queridos e a família, em belos e sólidos reparos. Que tenhamos cicatrizes, mas que elas representem uma história cada dia mais firme e completa de nossa vida. 

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