Cem, sessenta e trinta

Cem, sessenta e trinta

Sempre acreditei profundamente na capacidade do aprendizado. Tenho convicção de que com o desejo de aprender e com muito esforço, é possível acumular conhecimento e avançar. É claro que aí precisam ser computados fatores externos, como as oportunidades que são ofertadas a cada um em uma sociedade tão desigual quanto a que vivemos. Para ser resiliente e aprender quando há essa chance, é preciso ter um desejo honesto de evoluir e crescer. É preciso ser terreno fértil.

Pensei muito sobre isso ao ouvir a parábola do semeador, na leitura do evangelho durante a missa que frequento aos domingos. Naquela cerimônia, a palavra tem espectro religioso, mas tenho para mim que o conceito pode ser aplicado nas situações mais corriqueiras da vida.

O texto diz que o semeador saiu para espalhar as sementes. Algumas delas caíram à beira do caminho, os pássaros vieram e as comeram. Outras caíram em terreno de pedras, onde não havia muita terra. Elas logo brotaram, já que a terra não era profunda. Porém, ao sair o sol, as plantas ficaram queimadas e secaram, porque não tinham raiz. Algumas sementes caíram no meio dos espinhos, que cresceram e sufocaram as plantas. Houve aquelas que caíram em terra boa, produzindo à base de cem, de sessenta e de trinta frutos por semente.

Inacreditável imaginar como essa parábola, ainda que escrita há milhares de anos, sirva como uma luva para os dias de hoje. Talvez essa seja uma das razões que mais me encanta ao ouvir o evangelho aos domingos: estabelecer as relações entre o raciocínio e os sentimentos de homens que viveram há séculos com aquilo que sentimos e vivenciamos hoje. As coisas do mundo, de fato, vão e vêm.

O texto do semeador, para mim, é emblemático. Aquele que não tem raízes e princípios definidos logo desiste e nele o conhecimento não vinga. Aquele que se afoga nas preocupações e decepções ou na ilusão com a riqueza e o poder não frutifica. Aquele que é “terra boa”, que insiste e se dedica, prospera.

Como tem sido difícil prosperar em tempos tão tortuosos e críticos. Acreditar que é possível superar a crise e ultrapassar tantos obstáculos que nos são impostos diariamente tem sido cada dia mais complicado. Há momentos em que é quase impossível acreditar que tudo vai passar. Pessoalmente, algo sempre me faz ter a certeza de que o caos é passageiro. Não sei de onde esse sentimento surge, mas ele está sempre ali, pronto para me deixar de pé cada vez que ameaço desabar.

Procuro semear essa força interna que me sustenta com o maior vigor possível. Busco ser terra fértil, para, frente a tantas adversidades, manter um desejo honesto de evoluir. Talvez tudo isso tenha resultado porque estabeleço como foco principal os cem frutos, mas também agradeço todas as vezes em que é possível colher sessenta ou trinta. 

Compartilhar: