As convicções não mudam

As convicções não mudam

 

A filosofia, a sociologia, a antropologia, entre tantas outras ciências humanas, existem justamente para contribuir para que as pessoas consigam entender as grandes questões da humanidade, pessoais ou que ditem a relação com o outro. No entanto, acredito ser humanamente impossível conhecer todas as linhas de pensamento possíveis para, só então, decidir qual é aquela que mais combina com cada um de nós. Há, sim, que se buscar ampliar os horizontes ao máximo e, para isso, beber na fonte dos grandes pensadores do passado nunca é uma má ideia. Mas entra ano, sai ano e eu continuo a refletir sobre as mesmas crenças, e nisso, não vejo nenhum problema. Afinal, não há mal algum em encontrar aquilo que nos convence e seguirmos guiados por tais convicções.

Embora eu seja — ou, pelo menos, considero que sou — uma pessoa disposta a desvendar o novo e a encarar o desconhecido, boa parte das minhas convicções permanece imutável. Mais do que isso, são reforçadas na medida em que vou explorando novas possibilidades. E a boa vontade defendida pelo filósofo prussiano Immanuel Kant, a que já me referi em edições anteriores, é uma delas. Apesar da complexidade dos textos do pensador, diversos especialistas contemporâneos ou de um passado recente se ocuparam em desvendar as raízes de suas reflexões e, a cada nova leitura sobre o tema, mais convicta me torno em relação a esta ideia: de que aquilo que é bom, virtuoso e digno depende menos do talento individual do que da boa vontade de cada um em utilizar suas aptidões em favor do outro ou do coletivo. Assim, a capacidade pessoal não é o item mais importante para definir a virtude de alguém; o que realmente vale é o uso que se fará desse talento natural. Esta decisão, sobre como lançar mão de nossas aptidões, talvez represente um dos grandes atos de liberdade do ser humano. E esta disponibilidade de agir pensando naquilo que está distante do próprio umbigo Kant chama de boa vontade. Para ele, esta é a única coisa no mundo, ou fora dele, absolutamente positiva, é o que define sua relevância moral. Afinal, todas as outras virtudes, como a inteligência ou o discernimento, podem ser colocadas em favor de uma causa boa ou ruim.

Posso dizer que esta convicção se mantém firme entre as minhas crenças mais verdadeiras e também me ajuda a manter abastecidos os estoques de esperança. Digo isso em função dos (bons) exemplos que venho encontrando pelo caminho. Muitos deles, inclusive, serviram como inspiração para reflexões anteriores, como Ionilton Aragão, que ajudou a modificar a vida dos moradores da Vila Nossa Senhora Aparecida, localizada na zona Oeste de São Paulo, ao propor o projeto de limpeza Varre Villa. Também tive a oportunidade de resumir a história de Dona Iraci Pereira, que transformou a realidade de diversas famílias de catadores de material reciclável ao encampar a criação da Cooperativa Mãos Dadas, em Ribeirão Preto.

No entanto, também não posso deixar de reforçar que gostaria de ver ainda mais demonstrações desta boa vontade de Kant no dia a dia. Refiro-me a todos os âmbitos de que depende a vida em sociedade, inclusive a política, cuja essência é, ou deveria ser, o trabalho em benefício da cidade, do estado ou do país, e assim por diante. A imprensa e a comunidade também são agentes importantes nesse cenário, pois não há boa vontade suficiente no mundo contemporâneo que não dependa dessas duas forças: a imprensa porque tem o poder de informar e propagar ideias a um grande número de pessoas — mas, infelizmente, muitas vezes acaba escolhendo o caminho do desserviço — e a comunidade porque representa, em si mesma, o motivo e a finalidade desta tal boa vontade: isto porque ela é a beneficiada por essa conduta, mas também sua agente, uma vez que depende de cada um de nós colocar seus talentos em favor do outro.

 

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