Diferenças que aproximam

Diferenças que aproximam

A despeito de achar, em 99% dos casos, que os livros são sempre melhores do que os filmes, a interlocução entre a literatura e o cinema costuma me agradar bastante. Gosto de ver refletida na telona, sob a ótica de um bom diretor e de atores talentosos, a história que imaginei sozinha em um outro momento, mergulhada na leitura. Este é o caso de “Minhas tardes com Margueritte”, um livro de Marie-Sabine Roger que foi transportado para o cinema pelo diretor Jean Becker, com Gerard Depardieu e Gisèle Casadesus, nos papéis principais. Apesar da interpretação leve e, ao mesmo tempo, cheia de profundidade, os dois atores franceses não roubam o protagonismo do enredo de seu verdadeiro personagem: o livro.



É em torno deste objeto e da literatura, com sua infinita capacidade de romper barreiras físicas e intelectuais, que a história gira. As diferenças a serem suplantadas, neste caso, estão em cada detalhe dos personagens centrais: de um lado, a corpulência e a falta de intimidade com as letras de Germain e do outro, a delicadeza e a familiaridade com a literatura de Margueritte, homem e mulher de idades e universos tão distantes que não poderiam desenvolver tamanha afinidade e afeto sem a ajuda poderosa da leitura.

Encontram-se casualmente em um banco de praça e, ali, passam a construir uma relação de troca das mais bonitas que já imaginei, e depois vi. Ele, convencido de sua ignorância plena desde a infância, toma uma distância segura das letras e se priva do contato com a literatura. Ela, já com ampla experiência na bagagem, busca ter com quem dividir tantas histórias e mundos guardados na estante da casa de repouso.

Levado pela delicadeza de Gisèle, e depois incentivado pela namorada que aprendeu a entender aquela relação, Germain inicia a trajetória que o levará a se encantar pela literatura, primeiro, como ouvinte de Margueritte, depois, com os próprios olhos. O desvendar das palavras vem acompanhado por questionamentos que, pela ingenuidade, acabam oferecendo ao leitor, ou espectador, uma boa dose de humor. Um bom exemplo disso é o momento em que ele decide cortar relações com o dicionário que havia ganhado de presente da amiga, afinal, ele não conseguia encontrar aquilo que precisava em suas páginas. Como podia o “pai dos burros” conhecer apenas um tipo de tomate? Para o homem que vivia de bicos e de sua pequena plantação, aquelas eram as definições que realmente importavam.

Suas perspectivas vão mudando, no entanto. O que aprende com a senhora de fala suave e paciente, como jamais havia se deparado na vida, modificam quem ele é. As letras deixam de ser um mistério para ele e ao ampliar seu repertório por meio dos livros, vai ganhando condições, também, para reinterpretar as demais relações estabelecidas na vida, inclusive com a mãe, com quem os conflitos sempre imperaram. Enquanto se aproxima do final, a história passa a dar lições cada vez mais diretas. Sem perder a delicadeza, o humor dá lugar à emoção, ao mesmo tempo em que revela que os laços criados através da literatura, mesmo entre representantes de universos tão distintos, são mais verdadeiros do que muitos outros.

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