A dor dos pobres

A dor dos pobres

Observando a atual situação do Brasil é difícil elencar as prioridades. Parece que para onde olhamos, encontramos problemas cada vez mais insolúveis: reforma da Previdência, reforma tributária, as intrigas da família Bolsonaro com o vice General Mourão, e mais censura imposta pelo Superior Tribunal Federal. Isso tudo sem se esquecer da maior praga de todas: a cada dia assistimos a mais descobertas de corrupção em cada canto nacional.

É assim que tem sido a nossa convivência diária com esses temas, com certa desesperança que se aproxima a cada novo episódio dramático. Mas, como sempre no meio do caminho tem uma pedra, já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade, a minha foi uma notícia que não teve muita repercussão, que até passou meio despercebida diante de tamanha quantidade de problemas que o Brasil precisa resolver.

A notícia tratava do relatório do Banco Mundial, que alertava para o aumento do número de pessoas no país que vivem na pobreza. O número cresceu 7,3 milhões desde 2014, atingindo 21% da população, ou 43,5 milhões de brasileiros.

É um número assustador que precisa servir de alerta para todos os habitantes do país. Não é possível mais fazer vista grossa a essa situação, porque a resposta será sempre a violência e o desarranjo da sociedade.

Talvez outro número tão assustador (e presente na relação causa-consequência) seja a quantidade de dinheiro que está nas mãos de tão poucas pessoas. Segundo relatório da Organização Não Governamental britânica Oxfam, a desigualdade está na proporção absurda de que 82% do dinheiro do mundo ficou nas mãos de 1% da população mundial em 2017 — ou seja, dos quase 8 bilhões de pessoas que habitam o planeta, a riqueza está com um grupo menor do que a cidade de São Paulo, com 8 milhões de habitantes. Essa conta não fecha.

Como se resolve esse fosso social? A elite, as pessoas que estão no topo da pirâmide, precisam, urgentemente, entender que enquanto houver gente sem o mínimo necessário para viver, teremos de conviver com a violência e com o estrago que ela é capaz de provocar nas sociedades.

Corroborando o que essa enorme desigualdade de riqueza é capaz de provocar, foi a reação à notícia da doação milionária de alguns milionários do planeta (incluindo uma brasileira - Lily Safra) para ajudar a salvar a catedral Notre-Dame de Paris. A doação já chegou a R$ 3,5 bilhões para a reconstrução da velha igreja gótica. Ato seguinte à divulgação dos números, os coletes amarelos franceses foram às ruas numa manifestação em que não faltou quebradeira pelas ruas de Paris. 

Chego a me perguntar: como algo que deveria ser bom consegue, rapidamente, se transformar em uma repercussão tão violenta? 

O argumento é até simples: tem muita gente no mundo passando fome, com as necessidades básicas na saúde e educação, completamente abandonadas pelo estado. A benemerência logo foi mostrada como mais uma benesse para os muitos ricos. Os investimentos culturais atrelados à dedução de impostos são bem semelhantes à Lei Rouanet (agora em processo de mudança) no Brasil. O Tesouro perde muito dinheiro com renúncia fiscal e quando o dinheiro na França é doado para museus ou prédios históricos, o doador pode abater até 90% do imposto devido. Mais uma vez, a sociedade paga a conta.

É preciso pensar sobre isso urgentemente. Essa equação precisa ser olhada com muito cuidado, afinal chegamos a um momento em que nem a caridade está conseguindo apaziguar a dor dos muitos pobres. 

Fica difícil pensar no futuro, mas é nele que temos de depositar as esperanças de mudanças, começando a realizá-las ainda no presente. 

Imagem: Cândido Portinari - Mulher Chorando, 1947

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