Entre criadores e criações

Entre criadores e criações

Um dos artistas que mais me marcou quando cursei pós-graduação em História da Arte foi Gustave Courbet, um realista francês, nascido em uma família aristocrática na França do século XIX, em junho de 1819. Courbet foi um dos primeiros artistas a pintar imagens da chamada classe trabalhadora. O início da minha pesquisa foi a partir de um trabalho dele chamado “Quebradores de pedras”, uma obra que foi perdida na Segunda Guerra Mundial. A imagem é muito forte. A mim, ao menos, foi impactante. A partir daí, comecei a me interessar pelo pintor e depois busquei um pouco da história de Courbet.

Ao final, afunilei meu trabalho a uma discussão que sempre me interessou muito: até aonde a obra é contaminada pela história do seu autor? Essa é uma questão que sempre me fez pensar. Há uma discussão frequente sobre em que ponto a arte se confunde com a figura do criador. Como e quando se misturam, em que momento se encontram.

É possível separar uma obra de seu autor? A criação pode ser vista apartada do seu criador ou mesmo do momento histórico em que ela foi produzida? O tempo nos mostra alguns casos emblemáticos. O francês Louis-Ferdinand Céline (1894-1961), através de alguns textos, mostrou-se um antissemita e foi acusado de ter apoiado o nazismo; o argentino Jorge Luís Borges (1899-1986) apoiou a ditadura na Argentina e Mário Vargas Llosa (1936) foi proibido de ser homenageado numa Feira do Livro de Buenos Aires, por suas posições políticas consideradas mais à direita. Eles podem ter suas obras, de alguma maneira, prejudicadas por suas posições políticas ou mesmo posturas pessoais?

Ninguém nega a dimensão artística de nenhum desses nomes e não é possível relegar o valor literário de suas obras. Essa tem sido uma discussão que acompanha o estudo das obras de arte, quando objetos de pesquisa são postos ao lado da análise do modo de vida e pensar dos seus criadores.

Esse debate sempre me remete aos nossos tempos, ao momento em que vivemos atualmente: uma era da pós-verdade e da instantaneidade da notícia. Para mim, que sempre atuei no jornalismo, fica sempre o questionamento sobre como a história vai registrar o massacre da Síria, ou sobre como serão mostrados a guerra das Farcs, a rejeição a refugiados, a xenofobia, a homofobia, os crimes cometidos em nome da democracia. Tudo isso certamente estará escrito nos livros de história que as futuras gerações poderão estudar.

Se Marx já dizia, no século XIX, que a violência é a parteira da história, não consigo vislumbrar, ainda, como o homem poderá mudar esse rumo e construir um mundo mais solidário e justo. Nunca se pediu tanto por amor e paz e nunca se cometeu tanto crime hediondo como agora.

Difícil pensar num futuro mais harmonioso. Acho que nos resta fazer como o escritor Leon Tolstoi — que, com um pé na realidade, soube deixar um legado: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Acho que é exatamente isso. Vamos cuidar do nosso canto, que cuidaremos, de alguma maneira, do mundo inteiro. 

Compartilhar: