Eu tive Covid-19

Eu tive Covid-19

Um dia de julho, acordo sentindo um mal-estar no corpo. Logo penso que pode ser uma gripe ou mesmo um cansaço de um dia cheio. Como estamos em tempos de pandemia, em que o coronavírus é a maior vedete do momento, logo vem uma desconfiança e acho mais prudente checar do que se tratam essas dores no corpo. Faço o teste. A espera de dois dias pelo resultado do teste começa a ficar insuportável — agora já devidamente isolada dentro do meu quarto.

Quando vem a confirmação de que o exame deu positivo, instala-se o medo provocado pela avalanche de casos fatais que acompanhamos todos os dias pela mídia. Claro que os mais visíveis não são os bem-sucedidos, os que já estão curados, mas as mortes.

Até os casos de amigos ou de pessoas conhecidas que já estão curados não ameniza o sentimento ruim de que algo se aproxima vertiginosamente da nossa vida, provocando todo tipo de pensamento de que vamos passar por momentos difíceis.

O medo se instala e aí a cabeça torna-se o lugar mais perigoso para ficar. Junte a isso um mal-estar avassalador que vai tomando conta do corpo e não dá trégua. Eu tive dengue — que permaneceu comigo por seis meses, com muitas dores nas articulações. Aquela mesma dor no corpo e a sensação de total falta de energia foram os primeiros sintomas.

Logo apareceram os médicos formados pelo Google me orientando a tomar cloroquina e outros remédios recomendados à exaustão por todos os não profissionais da saúde. Pensei que precisava de uma boa infectologista em que eu confiasse e que pudesse me acompanhar nesta jornada: fui procurar a Drª Karen Morejon, que teve toda a paciência de me explicar que esse vírus é ainda muito desconhecido e que cada caso é um caso — teríamos de acompanhar o meu mais novo inimigo íntimo e invisível passo a passo.

Assim comecei os meus 14 dias de medo e de muito mal-estar.

Sempre fui uma pessoa que esteve na esfera do otimismo e que acredita que só recebemos o fardo que é possível carregar. Sempre gostei e tento acompanhar a filosofia dos estoicos, de que cada coisa precisa ser vivida no tempo presente, e me vi perdida nos pensamentos mais tenebrosos do não futuro. Sabendo que só temos o hoje, com saúde, sem saúde, com dinheiro, sem dinheiro. Só temos o agora. O amanhã é puro mistério. E, ainda assim, com esse conhecimento racional, não consegui vencer o medo do amanhã. Segundo Marco Aurélio, em suas meditações, “o homem é os seus pensamentos”

O medo do contágio dos mais próximos, a responsabilidade de passar essa mesma dor para os mais queridos. A solidão imposta pela doença vai reforçando o medo e a certeza de que viemos ao mundo sozinhos e que é preciso vencer algumas batalhas nesta mesma solidão.

Fiquei bem e já nem me lembro mais daquele mal-estar. Mas as dúvidas persistem, o medo acompanha e a pergunta continua martelando na cabeça: posso pegar de novo, posso passar pra alguém?

A doença que mais provocou dúvidas e indagações continua por aí: continua nos rondando e, mesmo com todo o cansaço que todos estamos, é agora na segunda onda que precisamos ficar mais atentos. O cansaço do isolamento não pode provocar mais mortes de mais pessoas e precisamos reforçar os cuidados para não nos colocarmos em risco de novo.

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