História em xeque

História em xeque

Ao acompanhar toda essa polêmica sobre o tombamento da Avenida Nove de julho, lembrei-me do período em que estive à frente da Secretaria da Infraestrutura, órgão responsável pela manutenção da avenida, em Ribeirão Preto. Naquele período, entre 2014 e 2015, a recuperação e revitalização da via estavam entre os planos que pretendia implementar durante minha gestão na pasta. 

Muito se falava, entre os funcionários da secretaria, que nós não tínhamos calceteiros para fazer a manutenção adequada do pavimento. Esses profissionais são os responsáveis por realizar a pavimentação de forma adequada com paralelepípedos ou blocos de concreto. Naquele momento, eu acreditava que seria necessário fazer um trabalho real de revitalização da avenida que já foi a mais charmosa da cidade. Para mim, ainda é um dos principais pontos de nosso município e sigo com a plena convicção de que precisa ser preservado.

Procurei, à época, um dos diretores da CPFL para checar a possibilidade de, em um processo de restauro da avenida, enterrar os fios e fazer da via um modelo a ser seguido em termos de estrutura e de projeto de revitalização. Cheguei a conversar com alguns empresários para pensar em um modelo em que tivesse a participação das empresas neste trabalho. Lembro de ter sido bem criticada por isso, inclusive em jornais. Um dos vereadores da época chegou a dizer que eu estava “passando a sacolinha”, para tentar angariar recursos junto à iniciativa privada. Ele acreditava que era uma postura abusiva. Eu chamo de parceria. 

Quando ouço uma proposta que envolve o asfaltamento de toda a avenida, chego à conclusão de que manter e recuperar a história dá trabalho e poucos querem se envolver nesse custoso e demorado processo. Tombar espaço de valor histórico e cultural é fácil — basta a publicação oficial de um documento. Preservar o que foi tombado já são outros 500. 

Como um patrimônio pode ser tratado desta maneira? Não há política pública concreta de preservação ou acompanhamento em nossa cidade para que um local como esse seja utilizado, ao mesmo tempo em que preserva as características que abrigam nosso passado e nossa história.

Algum tempo atrás, em Curitiba, a discussão se deu ao contrário: a proposta de um vereador sobre o Centro da cidade seguiu no sentido da preservação do pavimento com paralelepípedos. O princípio da discussão foi justamente a questão da drenagem neste tipo de pavimento: algo sustentável e totalmente necessário ao solo e às condições humanas.

Uma proposta de destombamento de um patrimônio do tamanho da Avenida Nove de Julho me parece, no mínimo, um desserviço à cidade. A despeito de todas as necessidades econômicas e de planejamento urbano, já que o tráfego seria facilitado com o asfalto, tenho convicção de que é preciso pensar no contexto, aliando a preservação ao desenvolvimento. Quem disse que é impossível trafegar bem pelos paralelepípedos? Dá para ter um trânsito organizado e planejado, desde que ele seja pensado.

No tempo em que estive na administração municipal, propus que buscássemos informações na cidade de Ouro Preto, que tem o calçamento do Centro com um tipo parecido de pedras da nossa avenida. Se eles conseguiram manter as suas ruas assim e ainda se tornaram referência, não me parece possível que, em uma cidade do tamanho de Ribeirão Preto, não consigamos preservar apenas UMA (assim, em letras garrafais) avenida.

É fato que para que tudo isso acontecer é necessário anseio político: teríamos de ter um governo com vontade de trabalhar, mesmo que esse trabalho demandasse tempo, dinheiro e uma certa dor de cabeça.

A história está aí para comprovar que se não há vontade política, a melhor saída é buscar o caminho mais rápido: jogar massa asfáltica no pavimento preservado. As consequências dessa atitude podem não ser imediatas. Mas a falta de planejamento tem se mostrado cruel a longo prazo.  

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