
As ilhas que nos faltam
Ouço música todos os dias. É incrível como esse hábito consegue me confortar barbaramente. Quando estou no carro, na academia, quando ando de bicicleta, procuro sempre uma trilha sonora. Tenho grande simpatia pela música brasileira e ultimamente sintonizo minhas playlists na preferida MPB. Procuro acompanhar as novidades nas revistas semanais e experimentar o que há de novo. Na maioria das vezes, tenho gratas surpresas.
Numa dessas experimentações, ouvi a música Ilha Deserta, interpretada pela Evinha. Ouvi e reouvi, algumas vezes. Alguns trechos da canção me impactaram. A letra, de maneira geral, composta por Zé Rodrix, acalenta. Em poucos versos, lembra que precisamos de pouca coisa para sermos felizes e sossegados. “Todo mundo nesse mundo preferia estar despreocupado/ Falando pouco e pensando muito”, segue a música.
Em um país repleto de incertezas políticas e econômicas, numa realidade inconstante que teima em nos deixar mal-humorados e melancólicos, é preciso refletir sobre o que nos acostumamos a ter e o quanto tudo isso é realmente importante na vida. Fato é que nos tornamos exigentes e ansiosos, talvez até intolerantes, diante de mudanças que se parecem mais com prejuízos. Falta calma e serenidade, nesses momentos, para buscar as soluções e encontrar caminhos que, muitas vezes, parecem estar escondidos.
Depois de algumas vezes ouvindo a canção de Evinha, lembrei do Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago. O texto é famoso por ter uma frase replicada com certa frequência, principalmente na internet: “É necessário sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”.
No conto, um homem bate à porta do rei para pedir um barco. Ele quer a embarcação para ir em busca da Ilha Desconhecida. O rei retruca, dizendo que todas as ilhas já são conhecidas e estão nos mapas. O homem insiste. e o rei dá a ele o barco.
A mulher da limpeza, assim chamada no conto, trabalha para o rei, mas se anima com o pedido do homem e deixa o palácio para acompanhá-lo na busca pela ilha. “Deu a volta e saiu com o balde e a vassoura por outra porta, a das decisões, que é raro ser usada, mas quando o é, o é”.
Ao buscar marinheiros para o acompanharem na busca pela ilha, o homem recebe respostas decepcionantes. “Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreiras para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível”, conta.
Penso que “à procura de um impossível” é o que estamos, e devemos estar, a todo momento. Diante das adversidades que parecem obstáculos intransponíveis, é preciso sonhar, como o homem que sai em busca da Ilha Desconhecida. Por vários dias, ele ficou sem comer, se alimentando das esperanças que guiavam sua jornada.
O mar pode ser tenebroso, as tempestades podem aparecer e os marinheiros que nos acompanham na viagem podem rarear. Tenho convicção, apesar de todas as adversidades, de que fomos feitos para encarar buscas por ilhas desconhecidas, que nos movem, fazem sonhar e, por mais difícil que seja encarar as tormentas, fortalecem a cada olhar para o horizonte.