Inspiração no cinema

Inspiração no cinema

Ser mulher e comandar uma empresa não é das tarefas mais simples. Não posso dizer que já fui ofendida ou menosprezada, mas existe o sentimento de que há um preconceito velado. A sensação é de que as mulheres precisam provar, reiteradamente, que têm capacidade de assumir grandes responsabilidades. Em pleno ano de 2018, precisamos mostrar que somos capazes de assumir cargos de liderança, como qualquer homem naturalmente faz. Imagine, então, como seria para uma mulher liderar um dos principais jornais dos Estados Unidos na década de 70?

Katharine Graham passou a comandar o Washington Post em 1963, após o suicídio do marido, Phil Graham, então presidente do grupo, e um dos momentos mais decisivos da vida dessa mulher foi retratado em The Post – Guerra Secreta. Assisti ao filme há alguns dias e posso confessar que saí do cinema contagiada por certo ânimo. Fiquei interessada, inclusive, em ler sua autobiografia, “Uma história pessoal”, que já é a próxima obra da minha lista de leitura.

O recorte da história é o período da Guerra do Vietnã. No início da década de 70, o jornal The New York Times tem acesso a documentos vazados que indicariam que o governo dos Estados Unidos dava como certa a derrota no conflito. Ainda assim, continuava a enviar tropas e soldados para o campo de batalha em busca de uma vitória já descartada pelo estudo sigiloso. 

Nada fere mais o ego de um jornalista do que levar um belo furo de reportagem. A perda de uma grande história para a concorrência é considerada uma grande tragédia. Foi isso que aconteceu com o diretor de redação do Washington Post, ao ver estampadas, dia após dia, reportagens que denunciavam o esquema no Times. Ele não mediu esforços até ter acesso ao documento. Conseguiu.

Naquele mesmo momento, o Post abria o capital para investidores e a decisão sobre a publicação das matérias era polêmica, batendo de frente com os interesses da presidência dos Estados Unidos, comandada, à época, por Richard Nixon. O conselho administrativo do jornal temia a divulgação e coube a Katharine tomar a decisão – sem tanta credibilidade e sendo obrigada a sentir, calada, o descrédito de parte dos colegas e acionistas da empresa.

Em um momento em que os norte-americanos questionam as fake news e que a imprensa segue constantemente atacada pelo atual presidente, Donald Trump, o filme dá certa esperança de respiração ao jornalismo. A nós, distantes, mas nem tanto, dessa realidade, também cabe perfeitamente. Rever os processos de apuração, divulgação e produção dos jornais é sinônimo de saudosismo. Impressiona, ainda mais, perceber que tudo isso não foi há tanto tempo assim.

Quando paro para pensar que, no primeiro jornal em que trabalhei, quando ainda estava na faculdade, o processo de produção era baseado nos linotipos (talvez os mais novos nem saibam o que isso significa), fico impressionada com a alta velocidade a que correm os novos tempos. A Revide, que existe há pouco mais de 30 anos, começou a ser realizada na fase seguinte, a do past-up. Diante da história da comunicação, o ano de 1986 nem está tão longe assim e, de lá para cá, tudo mudou muito rapidamente.

Não foram só os processos que se alteraram. Conteúdos, interesses, prioridades e comportamentos também se modernizaram ao longo das décadas. As pessoas são outras, o planeta é outro. Rever grandes casos, como a história do filme, provoca questionamentos, reflexões e até uma dose de otimismo.

No fim, é revigorante perceber que existem pessoas interessadas na boa informação, que podemos ter grandes histórias e que há repórteres bons de faro, à procura de pautas que mexam nas estruturas postas e que contestem realidades controversas. Tudo isso está no filme de Steven Spielberg, mas, esperançosa que sempre sou, estou certa de que ainda é possível encontrar esses exemplares no nosso mundo real. 

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