Mova-se pelo desejo

Mova-se pelo desejo

A filósofa Marilena Chauí, quando questionada em uma entrevista sobre a capacidade humana de refletir e ponderar sobre suas escolhas, recorreu a Espinosa. Para o filósofo, nos seres humanos há paixão.

Toda a compreensão que temos sobre o mundo e sobre o outro está baseada na maneira como o planeta e as pessoas nos afetam. Reagimos ao que vem de fora, passivamente. Estamos presos e condicionados ao outro. O que acontece quando passamos a nos comportar de forma ativa?

Se somos passivos, pautamos nossas ações e nossos comportamentos pela forma como reagimos ao que nos acontece a cada momento. Agimos de acordo com o que nos é exigido, ou o que pensamos ser. Ativos, somos livres, movidos pelo desejo, que decide o que e como vamos fazer.

Talvez uma das recomendações mais sugeridas – e recebidas – por todos nós seja que devemos fazer aquilo que amamos. Ter como ofício aquilo se gosta pode ser encarado como o grande propósito da vida. Sortudos são aqueles que desfrutam dessa conquista.

Diante da reflexão de Marilena, em um País tomado pelo clima de incerteza política e econômica, cabe o questionamento: é apenas na base da reação, de maneira passiva, que iremos enfrentar os desafios que insistem em nos arrancar o bom humor diariamente?

As dificuldades financeiras e a instabilidade nos governos – federal, estadual ou municipal – fazem com que todos entremos em um estado de torpor. Nele, as afirmações vão desde o “não tem jeito”, passam pelo “a culpa é daquela mulher” e terminam na clássica “não posso fazer nada”.

Enquanto cidadã, tento fugir de todos esses mantras negativos. Uma das vezes em que essa tentativa ficou ainda mais clara foi quando vivi a experiência como secretária municipal de Ribeirão Preto por quase dois anos. Busquei alternativas para propor as mudanças de maneira ativa, sem deixar a passividade me contagiar. Foram meses de muito aprendizado, de muitos projetos elaborados – e nem tantos executados quanto eu gostaria. Embora houvesse desejo, faltaram condições. Embora apostasse na atividade, a passividade me foi, por muitas vezes, imposta, sem que alguma contestação ou tentativa de embate revertesse o quadro. E tudo isso não me gerou um segundo sequer de arrependimento. Faria tudo novamente, sem nenhuma dúvida.

Os mais próximos sabem que costumo insistir, repetir e persistir quando acredito profundamente em alguma ideia. Crio alternativas, busco caminhos diante das dificuldades e meus desejos me movem. 

Por isso, acredito que são eles, os desejos, que estão em falta no poder público. A vontade de contestar o que é imposto, de questionar o funcionamento atual da máquina pública e se perguntar o porquê de não fazer diferente. Pensar se o que se faz é por comodidade, pela marcha automática, ou porque de fato é importante. Talvez falte a reflexão sobre a ordem imposta, o sistema implantado. 

Por que não, então, deixar-se mover pelo desejo, na medida em que contestamos o que nos é imposto? Por que não buscar rotas diferentes, questionar o que aparece pela frente? As dúvidas podem durar poucos segundos. As respostas duram o resto das nossas vidas. 

Compartilhar: