O adeus do poeta da neurociência

O adeus do poeta da neurociência

Na última semana, morreu, aos 82 anos, o neurologista e escritor inglês Oliver Sacks, levado por um câncer diagnosticado pela primeira vez há nove anos. Meu primeiro contato com este pensador, também chamado de poeta da neurociência, deu-se durante a faculdade de Psicologia e, desde então, não me distanciei mais de sua obra. O mais famoso de seus livros, “Tempo de despertar”, foi levado para o cinema por Robbin Willians e Robert De Niro. O filme tornou-se um clássico dos anos 90, tendo acumulado três indicações ao Oscar. Sacks, que viveu boa parte da vida em Nova Iorque, publicou mais de 10 livros, entre eles, “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, em que descreve casos de pacientes imersos em sonhos, distúrbios e outras doenças da mente.

No primeiro semestre deste ano, o neurocientista, que nasceu em Londres, em 1933, e fazia parte de uma família de médicos e cientistas — seu pai era clínico geral e sua mãe cirurgiã —, lançou sua autobiografia, “Sempre em movimento”, que ainda não tive a chance de ler, mas estará certamente entre minhas próximas empreitadas. Na publicação, trata abertamente da homossexualidade e da relação com as drogas na juventude, revelando-se um ser como todos os outros, com fraquezas e potencialidades únicas.

Antes disso, chamou minha atenção a carta que publicou no New York Times, em fevereiro, repercutida por veículos do mundo inteiro. Na seção opinião, revelou que já não tinha muitos meses pela frente por conta da metástese no fígado causada pelo melanoma ocular raro que já o havia deixado cego de um dos olhos. Ainda assim, agradecia por ter recebido nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original.

Gratidão, aliás, foi o sentimento que ele revelou mais forte naquele momento de sua vida, cara a cara com a morte. “Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial de escritores e leitores”, ponderou Sacks. Em um trecho anterior, descreveu-se como um ser intenso, com o qual me identifico profundamente: “(...) não posso dizer (e ninguém que me conhece diria) que sou um homem de disposições moderadas. Pelo contrário, sou um homem de disposições veementes, com entusiasmos violentos e extrema imoderação em minhas paixões”, confessou o neurocientista.

Relatando ter passado a visualizar a própria vida com grande altitude, como quem observa do lado de fora, o que o teria dado uma sensação ainda maior de vivacidade e uma ânsia de cumprir, no tempo que restava, uma série de tarefas, como terminar alguns livros, aprofundar amizades, viajar e escrever mais, despedir-se das pessoas que amava. Para isso, sentia-se repentinamente focado e com nova perspectiva. Antes de encerrar sua reflexão, Oliver despede-se discretamente. “Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal pensante nesse planeta maravilhoso e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.”

Com sua mente brilhante, Sacks me levou a algumas conclusões em sua despedida. A mais importante delas talvez seja o fato de que tentar mudar a perspectiva do olhar, passando a observar a própria vida por novos ângulos, assim como encontrar motivos para renovar o foco e os ânimos, deve ser um exercício diário, em todas as fases da vida. Vale a pena ler a carta do autor, facilmente encontrada na internet, assim como sua obra, certamente um legado que ele deixa para a humanidade. Com suas lições, a nós, nem tão brilhantes assim, cabe tentar impactar positivamente, no mínimo, as pessoas ao nosso redor.

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