O assunto é a Catedral

O assunto é a Catedral

Conversando com um querido amigo na Única — famosa cafeteira numa esquina do Centro de Ribeirão Preto que, ainda, é ponto de muita conversa e de alguns negócios que são feitos entre um café e outro —, ele comentou sobre seu desencanto com o nosso prefeito. Os assuntos do desapontamento eram os ônibus e a Catedral.

Segundo ele, depois de cinco anos de discussão sobre o itinerário do transporte coletivo na rua Florêncio de Abreu (em frente à Catedral), parte da frota de mais de uma centena de ônibus foi transferida para a rua Prudente de Morais. Adivinhem, caros leitores, quem mora nesta aprazível via. Meu desconsolado amigo.

Ele diz que o prefeito fez essa mudança para agradar o Padre Chico. Bom, eu preciso falar sobre isso. Quem me conhece minimamente sabe o quanto esse assunto me mobiliza. Como no filme “Precisamos falar sobre o Kevin”, é necessário ter aquela conversa desagradável, mas fundamental.

Não, meu amigo, não foi para agradar o Padre Chico que o prefeito mudou o itinerário dos ônibus. Foi para tentar preservar um dos principais patrimônios históricos e culturais de Ribeirão Preto. A nossa Catedral, a despeito da crença nesta, naquela ou em nenhuma religião, é uma relíquia. Esse prédio centenário corre o risco de desabar, caso não sejam feitas as devidas intervenções para a preservação.

O Padre Chico está numa luta sem tréguas para fazer a cidade entender que essa briga não pode ser só dele e dos seus fiéis. Essa luta deve ser da cidade, dos cidadãos que entendem que um município se constrói com a história, com o passado. O que causa um certo desânimo é que cada um que faz parte dessa história teima em colocar seus interesses à frente do bem maior: o bem comum.

É legítimo que meu amigo se incomode com o barulho ensurdecedor de dezenas de ônibus tirando o seu sagrado e desejável sossego. É também legítimo que ele vá reclamar ao prefeito, que tem a função primeira de resolver os problemas dos cidadãos da melhor maneira possível. O que não pode é essa briga de braço em que ninguém consegue se entender e, principalmente, dialogar. Já não estava na hora de se discutir qual o melhor modelo de uso dos ônibus no centro da cidade?

Na época das eleições, todos os candidatos apontam soluções para esse problema – que, por sinal, se arrasta há anos. É certo que o centro, com ruas estreitas e com a grande quantidade de carros circulando, não consegue mais suportar o número de ônibus que trafegam pelas sofridas ruas apertadas.

O imbróglio sobre a construção das plataformas da chamada Estação Catedral começou no governo anterior, quando foram definidos os espaços de embarque e desembarque de passageiros. Lembro perfeitamente das discussões e, principalmente, da intransigência em se estabelecer um denominador comum entre a igreja e o transporte público. A insistência no projeto – que mais parecia uma guerra política e uma necessidade de vitória a qualquer custo da administração municipal – resultou na implantação das plataformas na Praça das Bandeiras.

O caso chegou ao Ministério Público, foi aberto inquérito e houve até intervenção do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Estadual, que pediu a suspensão das obras. Tudo isso, no ano passado. Em 2017, elas foram concluídas, a partir do projeto inicial. No entanto, como a crônica de uma morte anunciada, o resultado é desastroso: será preciso fazer mudanças nas plataformas construídas, extraindo árvores e mudando a altura de cada ponto. 

Tanto problema causado, fundamentalmente, em razão da falta de diálogo e do excesso de intolerância. Por que não lançar mão das audiências públicas para se discutir qual o melhor modelo? Por que não abrir espaço para que as pessoas apresentem as suas ideias? Tenho absoluta certeza de que, a partir do diálogo, da troca de experiências e, principalmente, de ouvir o que pensa quem usa o serviço público de transporte, será possível encontrar um caminho. O usuário tem condições de indicar as melhores saídas, se forem apresentados os prós e contras de todos os lados.

Nós, enquanto sociedade e como parte fundamental da cidade, precisamos fazer marcação cerrada para que esses problemas não se repitam, porque, infelizmente, pelo andar da carruagem, parece que os equívocos da administração passada têm sido reincidentes no atual governo. A falta de interlocução é um deles. 

Decisões tomadas nos gabinetes com meia dúzia de burocratas não vão resolver a situação. Estaremos sempre andando em círculos e reclamando de tudo. Se querem uma solução que contemple a todos, em minha opinião, só há uma saída: colocar todos os interessados na conversa e buscar uma saída que seja consensual. Essa é a verdadeira prática da democracia.

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