O bode expiatório de todos nós

O bode expiatório de todos nós

Uma reflexão que fiz nesta última semana foi a de tentar entender o que provoca em nós a violência e o ódio. Estamos vivendo tempos tão distópicos, tão divididos, que é quase usual que uma simples discordância vire uma briga sem muito sentido. Uma discussão com alguém da família ou com um amigo por ter uma opinião política divergente já virou banalidade no nosso país. Parece que as opiniões próprias são o único caminho. A máxima socrática de que só sei que nada sei ficou mesmo no passado. Agora, todos têm certeza de tudo. Falam sobre tudo.  

O que dá para se depreender desse modelo de comportamento da sociedade é a dificuldade que a grande maioria das pessoas tem para lidar com a frustração. Antes mais observada nas fases da infância e da adolescência, hoje é muito normal nos depararmos com adultos completamente disfuncionais, ou se comportando como crianças irascíveis. Parecem perdidos numa infância injustificada. Quando ainda não tínhamos discernimento, ou mesmo maturidade, era até aceitável que uma negativa pudesse provocar mal-estar. 

Hoje, ninguém aguenta um não para uma demanda qualquer. Queremos o tempo todo que os nossos desejos sejam realizados e lidar com um tropeço virou um pecado mortal. Mas acho que até aqui temos como aprender algo com estas vivências. Como podemos lidar com tanta dificuldade de conviver com o diferente, com a opinião divergente? Talvez não levando a vida tão a sério. Talvez, a ideia da impermanência seja algo a ser pensado com mais intensidade. Nada é definitivamente eterno. As coisas vão mudando e aceitar as mudanças do mundo externo e interno poderá nos dar uma compreensão melhor da vida. Querer que as verdades de hoje sejam as de ontem poderá nos aprisionar num lugar fechado, sem janelas para espiar o novo, o frescor da novidade que o mundo nos apresenta a cada segundo. 

Voltando ao ódio, quando não damos conta dele, tentamos achar alguma resposta de alguma maneira. E até por uma questão de sobrevivência, procuramos alguém para levar a nossa culpa. Isso vem da Bíblia. Em um dos livros mais antigos do Antigo Testamento, está lá um bode para expiar os nossos pecados: o bode expiatório que vai nos livrar de todos os males. O filósofo francês René Girard, que estudou esse fenômeno no seu livro “Bode Expiatório”, mostra que buscamos algo ou alguém que justifique nosso desconforto, que poderá até aliviar por um tempo essa dor. Mas a ideia de que se deixarmos alguém sangrando vai expiar as nossas culpas, de jogar todas as mazelas em alguém ou em algo como o emprego, o governo e o vizinho, não vai nos livrar da nossa responsabilidade. 

Achar que essas outras instâncias poderão pagar sozinhas por aquilo que é uma pobreza moral individual ou coletiva, ou que isso será a esponja que vai limpar a putrefação moral que é coletiva é um engano. Infelizmente não vai. A história vai cobrar uma resposta efetiva de cada um de nós, individual na nossa consciência ou no coletivo. Só nós sabemos o que vivemos e o que sentimos. Para entender o ódio que está nas entrelinhas das nossas relações sociais e interpessoais, seria saudável tentar entender em nós o que foi capaz de acordar esse monstro e tentar domá-lo para voltar a viver em paz. 

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