O centro em nós

O centro em nós

Veia mais pulsante da cidade, o Centro é o lugar do burburinho, da agitação, da correria, do popular, do comércio modesto que, somado a muitos que o cercam, ajuda a movimentar a economia da cidade. Nas suas mais diversificadas formas e intenções, a vida converge para lá. E foi para lá, também, que me dirigi ao desembarcar pela primeira vez em Ribeirão Preto, em 1982, com 19 anos recém-completos, vinda de Goiânia. Meu primeiro endereço, no Centro, como não poderia deixar de ser, foi uma dessas pensões familiares, de onde, deslumbrada, saía rumo à faculdade de jornalismo ou ao cinema, às praças ou outro ponto qualquer.

Caminhar pela área central era, por si só, um programa completo. Marco zero, a região continua sendo palco da história, com cenário de memória e habitantes que vivem em outro tempo — o dos coronéis, dos casarões e das novidades recém-chegadas. O bairro também foi minha casa durante os primeiros passos profissionais, em 1986, quando vivi entre uma república de estudantes e a sede da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP), uma das primeiras a me receber e a apoiar a criação de uma revista local.

Acolhimento é a palavra que define esses dois momentos da minha história e da minha relação com o centro da cidade. Bem mais tarde, já no novo século, passei a revisitar constantemente a região, em primeiro lugar por conta da Fundação Feira do Livro e, mais tarde, a caminho da Prefeitura. Durante o trabalho junto à Feira do Livro, consolidei minha crença de que apenas ocupando os espaços públicos, especialmente no Centro da cidade, é que será possível cuidar dele, dar vida a cada canto e a cada esquina. No meu ir e vir ao Palácio Rio Branco, registrei cenas que escancaram problemas, mas também abrigam respostas e belezas únicas.

Talvez todas essas passagens tenham feito saltar aos olhos o desejo de dedicar uma edição da Revide ao Centro, lugar que, por definição, é o ponto comum e de convergência, é o núcleo que reúne as pessoas em torno de ideias ou objetivos comuns, é o meio. Historicamente, no Brasil, o centro de um município é o início, o ponto de partida para a construção e o desenvolvimento da cidade. Assim sendo, é a base, a ação e a concepção que forma sua identidade, um traço que acaba sendo absorvido por sua gente, tornando a região um centro também em nós. Talvez por isso angustie tanto vê-lo se deteriorando, perdendo o brilho e se amarelando, como se fizesse parte somente das páginas da memória. O Centro pode voltar a ser vívido, colorido e intenso. Para começar, bastaria que tentássemos projetar em suas praças e ruas o mesmo carinho que dedicamos a ele interiormente.

Para mim, a capacidade de cuidar de sua área central revela muito sobre a cidade — qualquer uma, aliás — e aquelas que cumprem bem tal missão certamente são mais felizes no planejamento do futuro. Na típica convivência entre o novo e o velho, o que foi e o que é, entre a vida que passa e a que está ali, o centro denuncia o bom e o ruim, o certo e o errado, toda a dicotomia e complexidade de uma cidade jovem, que ainda tem muito a aprender para se tornar mais justa e humana. Revitalizar a área central pode ser um belo ponto de partida.

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