O que você faz com o que a vida faz de você

O que você faz com o que a vida faz de você

A imprevisibilidade, dizem, é a beleza da vida. O fato de não termos controle sobre o que acontece e vai acontecer, ou não termos como prever nosso futuro, é o que faz com que nossa experiência na Terra seja surpreendente e, por isso, prazerosa. 

Para outros tantos, porém, ter as ações e reações nas rédeas deixaria tudo mais tranquilo. Confesso que eu também gostaria, em muitos casos, de ter o volante nas mãos e não ser pega desprevenida pelos imprevistos. O problema é que eu e você estamos sujeitos à inconstância e às incertezas, mas não podemos ficar paralisados diante delas.

Enfrentar as adversidades que surgem ao longo da vida requer coragem. Às vezes, é difícil reunir forças para retomar, recriar e reinventar quando damos de cara com algum grande obstáculo. Parece, inclusive, que, mesmo acumulando mais experiências ao longo dos anos, fica cada vez mais difícil recomeçar. A idade bate, o cansaço também. Parece que ficamos velhos para tentar outro caminho. Mas só parece e eu tenho uma lista de exemplos que podem provar a teoria de que nunca é tarde para um recomeço.

Há algumas centenas de anos, chegar aos 40 era algo quase inédito. Hoje, a expectativa média de vida dos brasileiros gira em torno dos 75 anos. Ganhamos, portanto, outra nova vida, se pensarmos que é possível atingir os 80. Um tempo atrás, tínhamos apenas a metade desse tempo no horizonte.

O que fazemos com esse dobro de vida que conquistamos é que fará toda a diferença em uma caminhada e uma vivência que valham, de fato, a pena. Tenho convicção de que estar disposto a encarar as limitações que surgem é o que nos dará orgulho ao final da caminhada.


“Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.”
Oscar Wilde



O músico Eric Clapton, aos 73 anos, é claro exemplo de como a superação humana é admirável e possível. O que poderia ser um problema incapacitante se torna poesia nos que escolhem a vida, em vez do sofrimento puro e simples. Um dos principais guitarristas do mundo, o artista sofre de neuropatia periférica — um problema nos nervos que causa dor, fraqueza e dormência — e está perdendo a audição. No início do ano, Clapton afirmou que está apreensivo em tocar e cantar, em razão dos zumbidos em seu ouvido. No último fim de semana, ele se apresentou para uma plateia de mais de 65 mil pessoas, em Londres, e encerrou a performance com um longo abraço nos músicos, que soou como uma despedida. Ainda há shows marcados, mas não há certeza de que ele volte a tocar em Londres.

No Brasil, o maestro João Carlos Martins é conhecido pela história de superação pública e admirável: também portador de uma doença degenerativa, pouco toca piano, mas desenvolveu alternativas para se apresentar e propagar a paixão que sente pela música: passou a se apresentar dublando as próprias interpretações no instrumento, além de reger. Tudo isso com dores, e aos 78 anos.

Nem sempre — e cada dia menos — a idade é um indicativo do fim da linha. Aos 60 anos, Roberto Marinho fundou a Rede Globo. Aos 75, Cora Coralina publicou o primeiro livro e, aos 50, Charles Darwin escreveu o revolucionário “A Origem das Espécies”. Tanta gente que se arriscou justamente quando o mundo diria ser a hora de parar. A vida, enfim, só termina quando acaba. 

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