O segredo está na dosagem

O segredo está na dosagem

No meu entendimento, coragem e medo são dois substantivos abstratos que caminham lado a lado. Aliás, eles disputam, diante de cada situação imposta pela vida, o primeiro lugar na mente de cada um de nós. Especialmente quando se trata do desconhecido, o medo costuma se apresentar com certa vantagem, mas seguido de perto pela coragem, à máxima velocidade, tentando mostrar que o risco vale a pena. Independentemente do vencedor, é justamente essa disputa entre essas duas forças mentais que move os indivíduos e, como consequência, a humanidade e o mundo.

De acordo com os relatos de minha mãe, sempre fui uma criança destemida, o que, para ela, era motivo de preocupação e palpitações constantes. Não tinha medo de me lançar em brincadeiras mais perigosas e também não me privava de conhecer novos caminhos para a escola ou novas pessoas na vizinhança. Posso dizer, portanto, que eu era uma garota corajosa. Ainda que ter coragem não seja, unicamente, uma qualidade, alegro-me ao perceber que mantive essa característica com o passar dos anos. Continuei, pelos lugares por onde passei e nas funções desempenhadas, enfrentando cada situação e correndo riscos.

Reconheço, no entanto, a importância do medo. Aliás, é a falta desse sentimento nas crianças pequenas, especialmente nos bebês, que nos coloca sempre vigilantes em relação a eles, o que me leva a concluir que o medo é um dos grandes responsáveis, por exemplo, pela sobrevivência do ser humano. A psicologia, inclusive, explica isso com bastante clareza, mas este não é exatamente o ponto focal dessa reflexão: prefiro dedicar-me à coragem, que pode ser entendida como a capacidade de enfrentar os possíveis medos.

A impressão que tenho é que esta característica anda em falta no mundo de hoje. O mais comum é que, ao menor sinal de fumaça, as pessoas saiam correndo para se protegerem do fogo que ainda não se propagou. Na sociedade em geral, expor, num ato de coragem, sua postura diante deste ou daquele tema também é uma atitude de alto risco. Sempre tão vigiados em um mundo feito de redes sociais, vê-se em desenvolvimento uma série de medos contemporâneos, como o da opinião alheia, sendo que este alheio pode estar em cada canto do mundo.

No campo individual, a preferência costuma ser pelo conforto daquilo que já se conhece. Arriscar, errar e assumir o erro parece não ser uma sequência muito animadora atualmente. Confesso que esta é, invariavelmente, a minha escolha pessoal. Ainda que reconhecendo que as consequências de uma postura corajosa possam ser dolorosas, não me privo ao risco. Tal postura, aliás, precisa ser assumida, antes de mais nada, para nós mesmos, tanto sob o aspecto pessoal quanto no lado profissional. Foi me desafiando a todo momento que desenvolvi a convicção de que esta é a única forma de construir um caminho baseado em certezas, não em dúvidas.

Também é preciso ter coragem — talvez ainda mais — quando as escolhas não se mostram as melhores. Entender que é hora de voltar alguns passos na trajetória é, na minha visão, um dos maiores atos de coragem que uma pessoa pode demonstrar. Já estive nesse ponto em vários momentos, aproveitados como grandes lições de vida, e já não me assusto com a perspectiva de retornar quantas vezes forem necessárias.

No embate entre a coragem e o medo, não nego, torço pela vitória do primeiro personagem, mas entendo que é no equilíbrio dessas duas forças mentais que se encontra a maior chance de ser bem-sucedido nas escolhas mais difíceis. Vale lembrar, com o perdão do clichê, que assim como no caso do veneno que também se torna antídoto, o segredo para não se deixar paralisar pelo medo ou machucar-se pelo excesso de coragem é, justamente, a dose certa.

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