O tempo certo

O tempo certo

Calma, tempo e espaço. Tenho refletido muito sobre esses estados que precisamos buscar nas nossas vidas tão atribuladas de excessos. Excesso de preocupações, de angústias, de medos que não se resolvem sem esses preciosos estados de espírito. Quantas vezes passamos uma noite mal dormida, porque há algo que precisamos resolver no outro dia e antecipamos a não solução do problema para a noite anterior, ansiedade que só terá a capacidade de nos tirar o sono e a tranquilidade.

O quanto de comoção aconteceu no país por conta da morte da cantora Marília Mendonça na flor dos 26 anos. As redes sociais e os canais de televisão foram à exaustão para tentar mensurar a dor coletiva. O sempre imponderável fica nos rondando, a todo o momento grita que é preciso de novo ter calma e tranquilidade com essa vida tão tênue, tão frágil que com a sua ausência é capaz de provocar um turbilhão de dor, principalmente quando chega assim, desmedida e feroz.  E como ter calma em meio a tantas dificuldades? Como buscar um oásis de temperança em meio a tantos problemas cotidianos. Tenho um amigo que sempre me diz que é preciso dar tamanho as coisas.  É certo que quando estamos agitados, agoniados não conseguimos nos encontrar. O caminho de nosso interior necessita de pausas e de silêncios. 

Escutar com atenção o nosso coração e o nosso corpo. Ainda na música, a cantora e compositora Marisa Monte, no seu último trabalho, tem uma música que se chama “Calma”. Ela fala desse tema que parece que grita em todas as pessoas que percebem os tempos difíceis e sombrios que estamos vivendo.  Acho que a grande pergunta que se impõe a todos nós é como podemos conseguir esse estado que o princípio básico é a ausência de agitação, um estado de pouca tensão e o domínio dos impulsos, reações e sentimentos. Parece quase um excludente da nossa vida atual. Estamos sempre agitados, dominados pela tensão diária dos problemas, prontos a explodir com o outro que é sempre capaz de nos tirar do nosso conforto interno. O estoico Epicteto já ensinava que se não podemos mudar o externo, se não temos o poder de mudar, é preciso deixar de lado. Nada podemos fazer quando não está ao nosso alcance mudar e só se preocupar com aquilo que está no raio de ação realizar. Insistir no que não nos diz respeito é cavar sofrimento para nós mesmos. Tenho buscado a cada dia entender isso e interiorizar isso como uma verdade para uma vida mais plena de sentido. E para fechar a minha reflexão, uma poesia do grande Manoel de Barros. Só a poesia poderá nos salvar.

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

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