
O “textão” do Felipe
Os não tão jovens, como eu, podem não se familiarizar com o termo “textão”. Descobri há não muito tempo. Ele não quer dizer apenas que o texto é grande, mas, nas redes sociais, principalmente no Facebook, o “textão” ficou famoso por ser basicamente uma publicação que disserta sobre algo. Geralmente, são temas políticos, defesas de alguma tese social e algum ponto de vista.
Na última semana, encontrei um desses “textões” publicado em um site de variedades. Resolvi ler. Qual não foi minha surpresa quando percebi na leitura um dos mais enérgicos e belos comentários sobre a luta contra a desigualdade no Brasil.
O “textão”, publicado em 30 de junho, é do publicitário Felipe Silva e o motivo da escrita é o nascimento de seu filho. Ele inicia a postagem dizendo que antes de conhecerem o Murilo, que nascia naquele dia, seria importante conhecer o próprio Felipe, o pai.
Felipe é hoje publicitário, contra tudo e contra todos. Aos 18 anos, vivia em uma favela, no Rio de Janeiro, sem dinheiro e sem emprego. Diante da situação, ele escreve, as opções eram duas. A escolha fácil, o tráfico de drogas. A escolha difícil, um projeto social do Governo do Estado para jovens de comunidades carentes. Ser auxiliar de serviços gerais. Literalmente: faxineiro de órgão público. Avante na opção dois. Ele quis vencer honesto.
Decisão tomada, realidade enfrentada. Essa escolha não representava qualquer perspectiva de melhora a curto prazo, com embates sociais que insistiam em bater à porta. Durante o almoço, por exemplo, ele conta que no refeitório do hospital da PM os auxiliares de serviços gerais só podiam almoçar por último, depois de enfermeiros, médicos e policiais. Por causa disso, não sobrava carne. Então, diariamente, o cardápio era o mesmo: ovo frito.
Para quem, todos os dias, pode escolher o prato do almoço, é de se imaginar um profundo sacrifício a falta de opção. Imagine, ovo frito todo dia, mas, onde não há escolha, não há opção, e sem opção vivemos com o que nos é imposto.
Como se o cenário não parecesse completamente desfavorável, Felipe decidiu guardar dinheiro para entrar na faculdade. Comprou aqueles guias para estudantes, leu inteiro e quis fazer publicidade, ser redator. Aos 22 anos só tinha lido três livros na vida e o dinheiro para pagar a faculdade era cada vez mais difícil de conseguir.
Hoje, aos 33 anos, Felipe diz que vive em uma casa de dois andares, tem carro, viajou para Nova York, é redator de uma das maiores agências de publicidade do mundo, leu mais de 200 livros, conquistou prêmio em Cannes e construiu uma casa para a mãe.
Em todo o desabafo de Felipe, a pergunta que fica é: quem entra no crime, é porque quer? A luta, inglória, para ter um emprego, dignidade, casa, carro, sem que a polícia bata à porta sem motivo aparente é o caminho mais difícil. É uma transposição constante de barreiras que a maioria de nós nem pode imaginar o quanto é desgastante.
Relevar a luta dos “Felipes” quando as opções nos aparecem à frente, de bandeja, é simples. Difícil é brigar contra a realidade, quando os pequenos obstáculos diários já nos causam um desgaste absurdo.
Não podemos construir um País que impõe barreiras e fecha os olhos para quem as transpõem. O Felipe pode ser aquela que te ajuda na limpeza de casa ou aquele que retira o lixo da porta do seu trabalho. Talvez eles não façam o “textão”, mas decerto compartilham o sentimento.