Os pássaros e a política

Os pássaros e a política

Impossível afirmar “eu não faço política”. Para estar inserido nesse universo, basta ser, como cada um de nós, um ser social — aquele que vive em sociedade. E como não há quem não dependa, minimamente, dessa organização para viver, somos todos, então, seres políticos. A responsabilidade de cada um, portanto, deve estar no exercício da cidadania em todas as ações do dia a dia, desde o cuidado com os espaços públicos e o respeito ao meio ambiente até o trato educado remetido a cada pessoa da comunidade. A diferença nasce quando a atividade política se torna a principal: quando se abdica de outras possibilidades para integrar, seja por meio de cargos eletivos ou não, a administração pública, em qualquer de seus níveis. Mas participar do governo de uma cidade, um estado ou um país inteiro passou a ser a única forma reconhecida de exercer a política. Então, vamos a ela.

Vivenciar a experiência pública foi uma das decisões mais difíceis que já tomei. Para isso, a motivação está mais do que clara: empenhar energia e trabalho pelo que é público, de todos. Este, aliás — e apesar de possivelmente envolver uma boa dose de ingenuidade — é o único estímulo que reconheço como efetivamente válido para ingressar na política. A vontade de fazer a própria parte bem feita, por menor que seja, remete à infância. Entre as histórias ouvidas, uma delas retorna da memória em cores.

Trata-se da fábula do beija-flor, que, diante do fogo na floresta em que vivia, tomava uma direção diferente da de seus companheiros de casa. Enquanto todos preocupavam-se em se distanciar o mais rápido possível das chamas, ele retornava portanto com gotas de água em seu bico na tentativa de amenizar o fogo. Questionado sobre a efetividade de sua atitude, apenas respondeu que estava tentando fazer sua parte. A exemplo do pássaro, outros animais mudaram o rumo da fuga para defender a floresta. Quando criança, a curiosidade não acabava com o fim da história, pois queria saber se o fogo havia sido apagado de fato. Com o tempo, fui reconhecendo que o fim não era mais importante do que o meio daquela fábula.

Como é característico do gênero, o que tal enredo me ensinou me acompanha até, e principalmente, hoje. Muitos amigos me questionam sobre a participação na administração de Ribeirão Preto. Apesar de ter clareza quanto à temporalidade da experiência, não dá para não fazer o máximo possível na direção de obter o melhor resultado. O processo é lento, burocrático, moroso, mas não pode ser capaz de estancar as iniciativas positivas, mesmo quando pontuais. Isso me traz à mente outro pássaro, dessa vez, emprestado de um ditado popular: aquele que afirma que “uma andorinha só não faz verão”.

De fato, é muito complicado obter mudanças em um cenário marcado pela descrença, não só nas pessoas, mas também nas instituições. Mas como transformar essa realidade sem que haja um primeiro passo? E, ainda, como iniciar essa caminhada sem que se resgate essa crença? Ter coragem e persistência é um ótimo começo.

Não tenho a menor dúvida de que não existe apenas uma andorinha tentando transformar os próximos verões. Elas são várias, ainda que minoritárias, mas podem começar a mudança que queremos ver, em todos os âmbitos da política. Um bom exemplo é o recentemente aposentado senador gaúcho Pedro Simon, do PMDB, cuja postura pouco foi questionada em quase 60 anos de carreira pública. Da Câmara dos Vereadores de Caxias do Sul ao Senado Brasileiro, manteve sua postura reta, encerrando a trajetória política ininterrupta com um patrimônio mais enxuto do que quando ingressou nesse meio. O número de bons exemplos, certamente, é crescente, o que já nos permite manter os olhos otimistas na direção do futuro. Pessoalmente, este é o esforço que procuro fazer todos os dias, sem desanimar, como os pássaros da minha memória. Gosto de sonhar que é possível, beija-flor ou andorinha, ajudar a minimizar as enormes desigualdades que envergonham os brasileiros. Os ribeirãopretanos, privilegiados por estarem em um próspero município, podem ser exemplo da oferta de serviços públicos com mais qualidade.

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