País sem esperança e as parábolas

País sem esperança e as parábolas

Durante a Feira do Livro deste ano, assistindo à palestra do Mário Sérgio Cortella, algumas reflexões feitas por ele me marcaram e me fizeram voltar à minha infância. Foram duas histórias bíblicas. A primeira é a parábola sobre a multiplicação dos pães. O autor faz uma leitura muito interessante sobre a nossa capacidade de doação. É uma história repetida à exaustão, mas interpretada a partir de um ponto de vista diferente. Jesus diz a Pedro: “entrem na multidão, vejam o que há, recolham e partilhem”. Cortella lembra que, dos cinco pães e dois peixes, resulta uma grande quantidade de alimentos, em que sobram ainda 12 cestos de pães.


O milagre que acontece é o da multiplicação. Porém, a interpretação do filósofo atenta para a repartição. Quando repartimos, a multiplicação acontece.

Do pouco que cada um tinha, formou-se uma enorme quantidade, que, partilhada, tornou-se alimento suficiente para satisfazer a todos.

Tendemos a pensar nessa história como um milagre, que realmente é, mas muito mais verdadeiro do que o milagre daqueles pães se multiplicarem. O verdadeiro milagre acontece no ato daqueles que doaram ao outro o pouco que tinham, multiplicando o que havia.

Em outro momento da palestra, Cortella rememorou a história bíblica de Caim e Abel: um homem que mata o próprio irmão por inveja. Caim acreditava que o irmão era o preferido do pai. Quando Deus pergunta: “Caim, onde está Abel, teu irmão?”, ele rebate com outra pergunta: “acaso sou eu o guarda do meu irmão?” De imediato, a parábola me fez lembrar da minha infância. Enquanto ele falava, parecia que eu ainda podia escutar o disco que contava essa história em formato de novela — e que eu adorava ouvir. Incrível o poder das primeiras lembranças da infância na nossa vida adulta. Claro que, naquela época, não tinha o alcance para entender que o irmão é o nosso próximo, nem a dimensão para questionar como estamos nos comportando com os nossos irmãos.


A palestra de Cortella me fez pensar no nosso país. Para quem acompanha o noticiário, é impossível não ficar impactado com tantas más notícias. É uma corrupção tão avassaladora que temos a sensação de que nunca sairemos deste estado de espanto e indignação. O Brasil fica muito contaminado com esse mau humor. As manchetes sobre a economia vão nos paralisando; parece que perdemos a nossa capacidade de reação e de esperança. Os economistas falam que os negócios precisam de confiança e isso é o que menos temos hoje no país. Falta confiança nas instituições, nos governos, e isso contamina as relações cotidianas, a maneira como tratamos o outro, a frequência com que nos questionamos sobre como estamos tratando os nossos irmãos.


Quem acompanha as redes sociais fica espantado com o ódio que transita nas conversas. Eu fico. E penso em como sair desse círculo vicioso. Como provocar de novo a esperança no coração dos brasileiros?

Neste momento, penso que temos que reagir, sair deste estado de inércia. Talvez, neste clima de doação, possamos continuar sendo o que sempre fomos: um povo honesto e solidário. Essa, com certeza, será a nossa maior e melhor resposta.

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