
Para atravessar a melancolia
Ainda enquanto tento compreender um pouco mais esse mau humor que toma conta do País e o “climão” que assombra nossos dias, lembro de uma entrevista com o filósofo Vladimir Safatle. Ele foi questionado, por Mario Sergio Conti, sobre a situação em que vivemos, de um Brasil paralisado. Trouxe à tona, então, um pensamento de Freud, que lá no início do século XX, na década de 1920, estudava o comportamento humano e construiu uma bibliografia que hoje, 100 anos depois, serve de base para compreender melhor o sentimento dos brasileiros diante das crises econômica e política pelas quais passamos.
Quando estamos diante de uma perda de algo que nos importa, passamos pelo período de luto. É aquele momento em que sofremos pelo que aconteceu há pouco, pelo que nos faz falta, incomoda, do que sentimos saudade.
A melancolia, segundo Freud, é um amor por objetos perdidos, mas que nunca mais conseguimos superar. Sofremos com aquele sentimento enclausurado por um longo tempo, um “além-luto”, que nos incapacita e nos paralisa. A melancolia faz lamentar e entristece, porque acreditamos que não vamos superar – ou suprir – a falta.
Em tantos meses na busca por respostas ao que tem acontecido em nosso País, talvez seja essa a análise mais consistente para definir o comportamento coletivo.
O brasileiro teve seu período de luto, não pela perda de uma pessoa, ou um material, mas pela perda da confiança na economia, na política e no País. Diariamente, pouco paramos para analisar nosso sentimento pelo Brasil, mas fato é que não raro ouvimos reclamações, notamos desânimo, percebemos o sentimento de impotência e incredulidade diante de tantos problemas que parecem não ter solução.
Com tanta dificuldade, passamos à melancolia. Sofremos pelo que não conseguimos mudar, sofremos sem a esperança de uma solução próxima. Talvez tenhamos, inclusive, deixado de acreditar nessa solução, já que tudo o que ouvimos é que a crise tem se agravado. Aliás, por esses dias, disse a alguém que não aguentava mais ouvir essa palavra, “crise”. Retrucaram com sinônimos: dificuldade, adversidade, aperto, agrura e apuro.
A verdade é que não busco por sinônimos, procuro por saídas. Como escreveu Espinoza, “não há medo sem esperança, nem esperança sem medo”. São dois sentimentos ligados ao tempo. Temos no medo a expectativa de um mal que ocorrerá, e na esperança o bem. Tentamos organizar nosso futuro, previamente, em busca de um conforto presente. Reagimos ao que ainda nem sabemos se irá acontecer, mas imaginamos.
Costumam dizer que o primeiro passo para resolver um problema é identificá-lo. Se identificamos nossa melancolia, podemos nos esforçar para voltar ao luto e combater o sofrimento que parece não ter solução. Não é garantia de sucesso, até porque, na crise, todos dizem que nenhum sucesso é garantido. Mas não custa tentar.