
As pedrinhas que somos
A leitura diária dos jornais tem sido cada vez mais difícil no dia a dia corrido que tenho enfrentado. É verdade, também, que não tenho tido muita vontade de ler os impressos diariamente. O pessimismo generalizado, mas especialmente na economia e na política, afastou-me um pouco de um hábito que sempre tive. Naturalmente, sempre preferi as revistas, mas olhar os jornais era algo que eu costumava fazer todos os dias. Até que o tempo ficou escasso e a vontade diminuiu.
Apesar disso, nos finais de semana, eu costumo folhear os diários. Às vezes, a rotina até permite que eu faça isso durante as noites da semana, mas gosto mesmo de fazer todas as minhas leituras aos sábados e, especialmente, aos domingos. E foi em um desses momentos que encontrei uma boa reflexão para esses turbulentos dias.
A Lucia Leitão é autora do livro “Onde as Coisas e Homens se Encontram”, que promove uma intersecção entre arquitetura e psicanálise. E é ela a autora de um belo texto que li na edição da Folha de S. Paulo de domingo, 24 de julho.
Ela conta que, em 2006, foi até Sevilha participar de um congresso em que apresentaria sua tese. Sempre tranquila para falar em público e segura dos argumentos que defendia, pensou que nada podia a desestruturar. Foi quando viu um homem no canto da sala, com rosto familiar. Demorou alguns segundos, mas ela ligou o nome à pessoa: era Sérgio Paulo Rouanet, diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras. Mais tarde, ela descobriu que ele estava ali para acompanhar a palestra da esposa, Bárbara. Naquele momento, Lucia mal podia pensar nas possibilidades. Rouanet, que havia escrito “A Epistemologia Freudiana”, era tudo o que ela queria ser “quando crescesse”.
Lucia seria a segunda a falar e, enquanto o primeiro convidado dava início aos discursos, ela se lembrou de uma quadrinha que seu pai usava para ensinar valores aos filhos. “Sê, no grande mosaico da vida, a pedrinha que és, e deixa que os outros sejam as pedrinhas que são”. Naquele momento, como em um milagre psíquico, chamariam os psicanalistas, acalmou-se e fez sua parte, como a pedrinha que era.
Penso que alguns momentos da vida são cruciais para que entendamos as pedrinhas que somos. Para identificar cada um deles, precisamos estar atentos, com um olhar voltado para dentro de nós mesmos. Em um planeta cada dia mais individualista, está mais do que na hora de um olhar com mais empatia para o outro.
Temos nosso espaço como pedrinha, com características e importâncias específicas, sem precisar interferir nas pedrinhas que estão do lado. A partir do momento que nos enxergamos como uma parte do todo igualmente importante como é quem está do nosso lado, percebemos o quanto o respeito é fundamental para que tudo isso permaneça firme. Talvez seja o respeito, inclusive, o rejunte desse grande mosaico da vida.