Questão de disciplina

Questão de disciplina

Definitivamente, sou muito disciplinada.  Para alguns, essa característica pode ser um sintoma de chatice — eu mesma, aliás, acho que as pessoas que seguem seus princípios e sua rotina a ferro e fogo são mesmo um pouco chatas. Mas, do alto da minha sinceridade quase suicida, não posso deixar de assumir essa certa rigidez em relação às minhas atividades.

A vida, o tempo todo, vai nos apresentando algumas alegrias, tristezas, decepções, entre outros sentimentos, antagônicos ou não, que se sucedem sem parar. Quando a emoção é positiva, vem acompanhada de otimismo, boas expectativas e tudo o mais que nos faz querer seguir adiante. Mas o que fazer quando o sentimento em questão é carregado de uma certa dose de negatividade? Descobri uma forma de driblar os momentos de tristeza, mesmo os mais profundos, aos quais me recuso ficar entregue, e funciona muito bem para mim: estranhamente, é nessa hora que me revelo ainda mais disciplinada.

Todas as atividades a que me proponho fazer continuam valendo, sem desculpas. O espaço para a tristeza, portanto, fica reservado ao mínimo possível. Procuro cumprir, com mais rigor ainda, meus compromissos pessoais e profissionais, começando pelas obrigações que mantenho comigo mesma. É nessa hora, portanto, que uso toda a energia acumulada para combater a tristeza, a dor, a inércia e me descubro capaz de levantar todos os dias para fazer o que devo fazer. A começar pelo básico: vou à academia, invisto ainda mais na boa alimentação, enfim nos cuidados com o corpo. Tudo aquilo que faço por mim, pela minha saúde, quando o mar é de calmaria se torna ainda mais intenso nas turbulências. Da mesma forma, reforço a dose de atividades que alimentam a mente e a alma: leio mais livros, notícias, revistas; procuro estar conectada à cultura de maneira geral, por meio de filmes, música e tudo mais; não deixo de estar cercada de pessoas que gosto e de fazer outros programas que me dão prazer.

Não sei se essas características significam exatamente uma qualidade, mas é um jeito de viver a vida que funciona muito bem para mim. É justamente na dificuldade que me descubro melhor e mais capaz para lidar com essas adversidades. O que me remete diretamente ao poema de Fernando Pessoa, ou melhor, de Ricardo Reis, pedindo que sejamos inteiros em cada coisa. É exatamente este o princípio que busco seguir, primeiro comigo mesma, depois, em relação a todos que me rodeiam.

Sobre a disciplina, gosto muito de recorrer à filosofia grega, mais precisamente à obra de Aristóteles, para reforçar as minhas convicções.  No livro Ética a Nicômaco, o pensador, que foi aluno de Platão, defende que esta característica seria uma qualidade da alma. Para ele, a disciplina é o único caminho possível para tirarmos os sonhos do plano do imaginário para torná-los reais: sem ela, adicionada de uma boa dose de determinação, o sonho não passa de devaneio. Mais do que isso, Aristóteles afirma que a virtude moral é resultado do hábito: “Somos o que repetidamente fazemos, forjamos nosso caráter nas atividades diárias e estas construirão nosso destino”.

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