Revisitando a infância

Revisitando a infância

Como pode uma história criada há mais de sete décadas inspirar tantas pessoas até os dias de hoje? Esta é a realidade de “O pequeno príncipe”, história de Antoine de Saint-Exupéry, publicada pela primeira vez em 1943, nos Estados Unidos. A obra da literatura infantojuvenil tornou-se uma das mais célebres de todos os tempos: com mais de 400 edições, já vendeu cerca de 143 milhões de cópias no mundo inteiro, tendo sido traduzida para mais de 220 idiomas. Mais importante do que todos esses números, no entanto, é a força de um enredo que convida o leitor — de todas as idades — a enxergar o mundo sob a perspectiva da criança, com boas doses de fantasia e criatividade, pureza e doçura no olhar.

Estou entre os milhares de leitores da obra, que só me traz boas lembranças de um tempo alegre, com cheiro de brincadeira e descompromisso. Foi em busca dessas memórias enraizadas na infância que assisti, na última semana, ao Pequeno Príncipe, a animação do diretor Mark Osborne que tem levado muita gente aos cinemas. O roteiro que conduz a história tem uma garota como protagonista, filha de uma mãe controladora e obsessiva, que planeja cada passo da filha para que ela consiga ingressar na escola dos seus sonhos. A rotina totalmente planejada da menina muda completamente quando ela conhece o vizinho aviador, de quem vai se tornando amiga.

No relato do senhor de visual não convencional, a personagem central é apresentada ao Pequeno Príncipe, o mesmo pequeno viajante das mensagens marcantes que conheci na infância, com seus cabelos loiros e revoltos, de imaginação privilegiada, retratado em “stop motion”, técnica de animação anterior à era digital, filmada quadro a quadro. Nesse sentido, a escolha do diretor pareceu totalmente apropriada e me trouxe um toque extra de saudade. O filme segue mesclando à clássica história infantojuvenil elementos originais, em uma tentativa de atualizar a obra, o que me agradou bastante.

Voltar no tempo e reencontrar o Pequeno Príncipe me fez refletir, também, sobre a importância da literatura, especialmente para o público infantil e juvenil. Criar o hábito de ler desde cedo, no meu entendimento, significa dar ferramentas para que o indivíduo amplie suas possibilidades de futuro. Além de conhecer diferentes universos guiados pelas palavras de grandes autores, o leitor exercita sua imaginação e criatividade, o que certamente será muito útil para o resto da vida. Diante das situações mais inesperadas ou difíceis, aqueles que conseguem visualizar aquilo que está além do horizonte, sem dúvida, terão larga vantagem, pessoal e profissional. Esse é um dos motivos que me fizeram leitora e defensora ferrenha dos livros e da literatura como ingredientes vitais.

Ao lado do personagem de Antoine de Saint-Exupéry, nas minhas memórias, também está Poliana, personagem de Eleanor H. Porter ainda mais antiga, criada em 1913. A garota que dá nome a outro clássico infantojuvenil tinha a habilidade, ensinada pelo pai, de ver um lado positivo em cada situação da vida. A garota órfã que passa a viver com a tia, extremamente rígida, segue otimista a cada página do livro, o que acaba contagiando todos ao seu redor. Mais uma vez, a mensagem é simples, mas, para mim, extremamente verdadeira: se não procurarmos acreditar que o melhor possível se tornará realidade, não há motivo para continuarmos a perseguir determinada conquista.

Depois de puxar da memória essas personagens tão delicadas e profundas em suas lições, só me resta deixar o convite a esse exercício, de valorizar aquilo que é realmente essencial em nós — provavelmente, invisível aos olhos — e a assistir ao filme, com um roteiro original, mas que presta uma linda homenagem ao personagem de Saint-Exupéry, que, aliás, não viu seu pequeno viajante rodar o mundo em reedições de sua obra. O autor faleceu um ano depois da publicação do primeiro exemplar, durante a Segunda Guerra Mundial.

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