Ser de esquerda

Ser de esquerda

Dia desses estava discutindo o que é ser de esquerda ou de direita — um debate que parece anacrônico para os tempos atuais. Veio à minha memória uma das poucas entrevistas dadas pelo escritor Raduan Nassar, em que ele comenta sobre esse assunto com uma declaração do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, sobre ser de esquerda. Ele diz: “É uma posição filosófica perante a vida, em que a solidariedade prevalece sobre o egoísmo”.

Acho que isso diz muito sobre o que é se posicionar como de esquerda. Muito mais do que defender o livre mercado ou quais as estratégias econômicas que o país vai adotar, eu penso que a questão da solidariedade é um tema muito mais importante a ser discutido. Deveria ser um assunto que permeasse as mesas de bar, o almoço de domingo: a solidariedade e a atenção às condições de vida do outro, no sentido de que esse outro disponha das mínimas condições de uma vida com dignidade. Essa deveria ser uma discussão feita à exaustão, mais do que qualquer outro tema.

É urgente prestar a atenção nas desigualdades que cada vez mais se acentuam no país. Essas diferenças abissais precisam de um olhar mais humano e solidário.

Tenho muita dificuldade em entender por que o país se dividiu tanto em algumas questões que me pareciam que já estavam pacificadas, como o racismo estrutural e tanta violência contra pessoas pretas. Em 2003, foi promulgada a lei do desarmamento depois de uma ampla discussão que tomou conta da sociedade. Hoje, a ordem do dia é colocar cada vez mais armas nas mãos dos cidadãos.

Tantas pautas que estão sendo remexidas no que eram conquistas sociais importantes. Estamos voltando a uma espécie de barbárie que não seria possível imaginar que pudéssemos retomar. A pobreza, a fome, a miséria escancarando as enormes diferenças sociais que rondam o conjunto da nossa sociedade. A violência que mata pretos, pobres e pardos batendo nas nossas casas todos os dias através dos noticiários.

As enormes desigualdades sociais precisam ser olhadas de frente de novo. A sensação que eu tenho é que esse título do Brasil, de que somos o país do futuro, continuará permeando ainda muitas gerações.

Vou aproveitar esse espaço para voltar ao presidente do Uruguai e sugerir um documentário sobre a história de vida dele: “El Pepe, uma vida suprema”. Antes que se estigmatize o homem, vou pedir aos leitores desta coluna que se interessem pelo tema que assistam ao documentário e também ao filme “A noite de 12 anos”. A história do Pepe Mujica não se resume àquele presidente que liberou a maconha no seu país, que o único carro que teve a vida inteira foi um Fusca azul. Para além desses estereótipos, vale conhecer as ideias desse homem que levou a sério o que é se dedicar à causa pública. Ele poderá nos ajudar a compreender como a política pode ajustar as desigualdades e melhorar a convivência.

A democracia continua sendo o melhor sistema que pode nos garantir um mundo mais solidário e justo para se viver — se liderada por homens que tragam em si o verdadeiro sentido público e queiram dedicar suas vidas a fazer o Estado atuar onde a iniciativa privada não consegue: atendendo aqueles que não tiveram oportunidades de estudo, que não nasceram em uma família que pudesse oferecer condições para se desenvolverem e terem uma vida digna.

Um Estado que ofereça saúde e educação para que cada brasileiro possa se sustentar com as suas próprias condições.

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