Sobre o tempo

Sobre o tempo

Para começar, não refletimos sobre os episódios da nossa história, e não estou falando sobre séculos: não conseguimos observar, sequer, os últimos 10 ou 20 anos.

Lendo o jornal A Cidade do último domingo, uma entrevista com a economista e administradora Rosalinda Chedian Pimental me prendeu a atenção. Entre observações sobre os mais variados assuntos, a ribeirãopretana, que se mudou ainda jovem para o Rio de Janeiro e passou parte da carreira em Franca, cita a filósofa alemã Hannah Arendt — que não gostava de ser classificada como tal, preferindo dizer que suas publicações eram “teorias”, e não “filosofias políticas”. 

Confesso que conheço pouco da obra da autora, mas, segundo Rosalinda, Arendt costumava abordar em suas obras a relação entre passado e futuro. “Essa falta de conexão do tempo entre o passado com o futuro está trazendo, hoje, reações que estão muito vinculadas às atividades do passado, sem a percepção do presente e do futuro”, argumenta a entrevistada. A questão tem me feito refletir muito nos últimos meses.  Parece que, quanto mais acelerado o ritmo de vida se torna, mais distante fica o passado e menor ainda é a atenção dada ao futuro.

Para começar, não refletimos sobre os episódios da nossa história, e não estou aqui falando sobre séculos passados. Não conseguimos observar, sequer, os últimos 10 ou 20 anos. Um exemplo, em Ribeirão Preto, que passei a acompanhar de perto, é a questão do trânsito. Como cidadãos, todos percebemos, em maior ou menor intensidade, que o volume de carros circulando na cidade cresceu. Já não há mais tantos privilegiados que conseguem chegar em casa depois do trabalho em cinco ou 10 minutos. 

Não é difícil entender o que aconteceu. Segundo pesquisa, de 2002 a 2012, o número de veículos registrados no município subiu de 188.448 para 377.148 no período. O impacto deste crescimento não se vê apenas no tempo do cidadão, que já seria uma repercussão importante por si só, mas também na situação das ruas e das avenidas, que estão precisando de cuidados. Esta não é certamente a única razão dos buracos na cidade, claro. Há a ação do tempo, do clima, etc, e também uma falta de prioridade no que diz respeito à manutenção das vias públicas. A última grande intervenção nessa área aconteceu em 2000. Essa afirmação não é uma justificativa, mas apenas uma explicação mesmo.

Por entender que todo cenário tem uma razão de ser, volto a salientar a importância do compromisso com o outro. Mesmo o trânsito tem impactos positivos quando agimos sob essa perspectiva, considerando o outro. Em casa também: podar as plantas e colocar os galhos junto com o lixo na rua, na hora em que bem entender, é uma demonstração clara de total falta de preocupação com o vizinho ou com os moradores do entorno. 

Se não cultivamos o hábito de refletir sobre o passado recente, sobre o futuro, então, nem se fala. Isso é praticamente uma característica cultural reconhecida entre os brasileiros, seja no âmbito público ou pessoal.  A falta de reflexão sobre passado e futuro talvez ajude a explicar porque, no presente, estão postas questões tão fundamentais para a qualidade de vida da sociedade, mas a mudança que queremos ver na perspectiva social não tem outro modo de começar, senão na atitude de cada um. Precisamos encontrar um novo ângulo para observar o relógio.

Isabel de Farias
Secretária de Infraestrutura e Coordenadora da Limpeza Urbana de Ribeirão Preto.

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