Um homem admirável

Um homem admirável

Uma das personalidades que mais admiro é o escritor Ernesto Sabato. O primeiro contato que tive com ele foi com o livro “O Túnel”. Um livro impactante que conta a trajetória do artista plástico Juan Pablo Castel, um homem atormentado, que não consegue estabelecer relações de convivência com ninguém. Um ser solitário que ao ver uma mulher observando um dos seus quadros em que retrata justamente a solidão humana, apaixona-se e passa a viver em função desta paixão. Ele percebe nela uma chance de transcender a sua solidão, de sair do seu refugio, de sair do interior do seu próprio túnel. A história narrada na primeira pessoa já começa com a confissão de um crime. Um livro mostra a solidão humana, a dificuldade de se criar vínculos duradouros, de viver a afetividade na interação entre as pessoas.

Mais do que o livro e a escrita dele, foi como o homem conduziu sua história e suas escolhas. Isso certamente foi o que mais me encantou no escritor, ensaísta, um filósofo contemporâneo. Suas ideias e convicções me fazem sempre sentir uma dor no coração por não ter tido oportunidade de vê-lo pessoalmente. Sempre tive muita dificuldade em conhecer de perto alguns escritores que admirava, tenho uma opinião que, às vezes, o homem e o escritor necessariamente não se misturam. Com Ernesto Sábato sempre terei a sensação de que poderia ter aprendido muito com ele. O mais importante foi o legado que ele deixou, seus livros e suas ideias.

Aos 30 anos, Sábato largou uma carreira brilhante como físico nuclear e se dedicou à literatura e à pintura. Ele queimava os quadros que não gostava, sempre dizia que o fogo purificava. Escreveu pouco, o suficiente para marcar de forma definitiva a literatura. Morreu aos 99 anos. Os dois últimos livros que escreveu, aos 90 anos, é certamente um dos depoimentos mais viscerais que já tive oportunidade de ler.

“Existe na vida um valor que permanece, muitas vezes, invisível para os outros, mas que o homem escuta no fundo da alma: é a fidelidade ou traição ao que sentimos como destino ou vocação a cumprir.

O destino, como tudo que é humano, não se manifesta em abstrato, mas encarna numa circunstância, num pequeno lugar, num rosto amado ou num nascimento muito pobre nos confins de um império.

Nem o amor, nem os encontros verdadeiros, nem mesmo os profundos desencontros são obra do acaso, e sim algo que nos está misteriosamente reservado. Quantas vezes na vida me surpreendeu a maneira como, entre multidões de pessoas que existem no mundo, acabamos encontrando aquelas que de algum modo possuíam as tábuas do nosso destino, como se pertencêssemos a uma mesma organização secreta, ou aos capítulos de um mesmo livro! Nunca pude saber se reconhecemos essas pessoas porque já as procurávamos, ou as procuramos porque elas já rondavam nosso destino.”

Esse texto está na primeira carta do livro “Resistência , que ele escreveu em 2000, prestes a completar 90 anos. É um livro tão triste quanto esperançoso, como foi a vida que ele escolheu viver. Uma vida voltada à criação. Retornou ao seu país depois de ter abandonado uma carreira brilhante. Além do legado da sua arte, Sabato foi um militante político, acreditava na democracia e lutou até o fim de sua vida pela liberdade. Um homem realmente admirável!

No primeiro parágrafo deste livro, ele diz: “Há certos dias em que acordo com uma esperança demencial, momentos em que sinto que as possibilidades de uma vida mais humana estão ao alcance de nossas mãos. Hoje é um desses dias.”

Espero acordar todos os dias com essa mesma esperança demencial numa vida melhor para todos nós. Que a solidariedade esteja mais presente em nossas vidas.

Compartilhar: