Uma ação, vários resgates

Uma ação, vários resgates

Quem é nascido no interior e possui mais de 30 anos, provavelmente tem na memória algumas figuras que marcaram época, mas, com o passar do tempo, foram se perdendo. De fato, muitos avanços tecnológicos levaram ao surgimento de recursos que, se não substituíram o trabalho deste ou daquele profissional de antigamente, no mínimo os tornaram raridade, principalmente nos locais mais urbanizados da cidade. Quando é a tecnologia a motivadora dessa escassez, outras razões dão conta desta missão inglória.

Um desses personagens que trago na lembrança, cada vez mais raro, é o praceiro: aquele indivíduo encarregado de cuidar de determinada praça e que, por sua presença frequente no local, acaba desenvolvendo uma relação pessoal com a vizinhança e a comunidade. Não sei se traída pela memória distante da infância, mas, na minha cabeça, eram sempre senhores simpáticos e solícitos, que acabavam ajudando a vigiar a molecada que costumava brincar com mais liberdade.

Mas os praceiros estão acabando. Um levantamento feito em Ribeirão Preto evidenciou que antes de 2005, este número era bastante significativo. Dez anos atrás, havia já reduzidos 100 profissionais contratados para esta função, que se tornaram, este ano apenas 50, uma vez que os aposentados não foram substituídos. Desse número, apenas 30 se mantêm na ativa.

Ao mesmo tempo, a própria relação da vizinhança com esses espaços públicos foi se modificando ao longo dos anos. Os moradores dos entornos das praças já não se utilizam do lugar da mesma maneira e também não cultivam a relação de propriedade com o espaço público. Ao invés disso, vê-se cada vez mais a utilização dessas praças para descarte de restos de poda ou dos chamados “inservíveis”, objetos que vão de sofá e toda espécie de mobiliário até eletrodomésticos e restos de materiais de construção.

Essas reflexões têm me levado a imaginar que resgatar esses praceiros de um passado nem tão distante assim pode ter um impacto positivo, também, na recuperação da relação da comunidade com as praças. Na cidade, há mais de 230 praças, cuja limpeza e manutenção são de responsabilidade da Secretaria de Infraestrutura e da Coordenadoria de Limpeza que, por sua vez, não possui contingente suficiente para dar conta do trabalho como ele deve ser feito.

Além disso, penso que um projeto bem feito e bem implementado neste sentido poderia promover mais um resgate fundamental: o da população carcerária, em busca da recuperação e da reinserção social. Este, inclusive, é um dos grandes problemas a serem dissolvidos pela sociedade atual e não pode ser mais ignorado. Aliás, ele também está naquela lista de questões que só serão resolvidas com o envolvimento de todos os interessados — poder público, empresariado e sociedade civil.

Não dá para ignorar o fato, é verdade, de que a sociedade em que vivemos é outra: infelizmente, a violência e uma longa lista de características incapazes de tornar o ser humano orgulhoso passaram a fazer parte da realidade dos ribeirãopretanos, ou melhor, dos brasileiros. Assim, não dá para acreditar que uma ou outra iniciativa pontual será capaz de modificar o cenário completamente. Mas é preciso começar. É necessário tomar a responsabilidade da mudança para si mesmo. Aqui, entenda este “si mesmo” como cada um de nós, incluindo você, leitor, e eu.

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