Velha senhora maltratada

Velha senhora maltratada

Quando eu cheguei a Ribeirão Preto, em 1982, jamais passou pela minha cabeça que estaria aqui 35 anos depois. E cá estou.

O que falar dessa cidade? Para mim, sempre será o céu mais bonito do mundo: pelo menos o mais azul. Mais do que isso. Será sempre o lugar onde travei grandes batalhas e venci boa parte delas. É a cidade que me fez crescer como profissional e como mulher e onde construí minha história.

A primeira coisa que me vem à mente quando penso em Ribeirão Preto tem a ver com minha chegada. Fiquei em uma pensão ali na rua Lafaiete, que é o centro da cidade e foi o centro da minha cidade, o lugar onde eu iria construir a minha vida. Ali tive minhas primeiras amigas, minhas primeiras lutas. Eu adorava o centro, a região da Catedral. O mundo acontecia a 100 metros de mim.

E o campus da Unaerp? Até hoje, entro lá e me sinto assim: com 20 anos de idade e com aquela mesma vontade de desbravar o mundo. Toda a atmosfera da universidade me envolve como se eu voltasse no tempo. Não canso de lembrar a quantidade de coisas boas que essa cidade me deu.

Aí me dou conta da angústia que me assalta quando vejo tudo tão destruído. Um sentimento muito parecido com o que tenho em relação ao nosso País. O que dizer sobre essa velha senhora maltratada? Sempre me pego pensando sobre a importância de se amar a cidade em que vivemos. Se não temos orgulho do lugar em que estamos, como podemos cuidar dele?

Desde que me vi em Ribeirão Preto e desde que comecei a perceber que viveria aqui a minha vida, ficava me questionando sobre o que podia fazer para ajudar.

Por duas ocasiões, fiz movimentos em direção a essa minha necessidade interna de fazer algo: fui presidente da Feira do Livro e secretária municipal da Infraestrutura. Nesses dois momentos de minha vida, passei por muitos embates e grandes aprendizados.

Lembro da briga que foi para manter a Feira na praça, a céu aberto, quando os tais meninos da chamada periferia começaram a querer participar daquilo que era oferecido gratuitamente para eles - e, claro, do jeito deles. A primeira voz, a única solicitação daqueles que não entendem o exercício da cidadania e da participação, era no sentido de que tirássemos os shows da praça. Em nenhum momento, cogitou-se trazer aqueles meninos para uma participação pacífica e muitas discussões foram travadas por conta do que se chamava vandalismo. Na minha cabeça, isso significava a dificuldade em ser cidadão, em amar a cidade que era deles, mas da qual eles nunca foram chamados a participar. Falávamos da importância de se ocupar as praças, de se praticar o exercício da tolerância. Foram momentos difíceis, mas, para mim, ricos na reafirmação de pontos de vista.

Já na Secretaria da Infraestrutura, confirmei a falta de cuidado com a nossa cidade. A Ribeirão Preto das praças que não respeitava um verdadeiro tesouro que é de todos. 

Minha impressão era de que as pessoas não habitavam aqueles bairros e aquelas ruas. Lembro de um dia em que surpreendentemente encontrei uma casa toda florida, em meu caminho para a secretaria. Uma vez, parei e conversei com a senhora que cuidava daquilo de uma forma que, para mim, era um sonho de consumo. Aquela casa era um oásis em meio a um bairro tão triste.

Olhando aquilo, logo pensei em criar um projeto que envolvesse inicialmente um bairro, depois toda a cidade, em um exercício de cidadania e de cuidado com o que é de todos nós. A realidade da política e das demandas de um governo combalido infelizmente estava muito longe daquele meu olhar.

Alguns anos se passaram, e têm passado, depois dessas minhas experiências, digamos, públicas. Mesmo sem ter conseguido concretizar todos os projetos que pensei ou sem ter tirado do papel todas as ideias que tive para um lugar melhor, continuo sonhando com uma cidade em que aquela casa florida não será apenas um oásis, mas uma entre tantas outras.

Por tudo isso, mais do que feliz aniversário, devo dizer “obrigada, Ribeirão Preto”. Por tantos ensinamentos e por tanto exercício de esperança, mesmo diante de tantas dificuldades. Que esses 161 anos de história sejam apenas o início de uma longa caminhada desta velha senhora, que, um dia, certamente, não será tão maltratada. 

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