A Inteligência Artificial e o Professor do Futuro
Rodrigo Abrantes da Silva
Desde que o ChatGPT 3 foi lançado, no final de 2022, a Inteligência Artificial Generativa tem provocado diferentes ondas disruptivas. No caso da Educação, imaginem uma situação hipotética, porém, hoje bastante plausível:
Um aluno inicia um curso e, em vez de adquirir materiais didáticos, recebe pacotes de conhecimento, que contêm as informações dos livros e apostilas, mas também sugestões de prompts detalhados e de algumas direções para a IA processar e apresentar melhor o conteúdo. Esses pacotes de conhecimento e orientações são então alimentados pelo aluno no seu assistente de IA favorito, já configurado para lhe dar instruções relativas às suas necessidades de aprendizagem. O aluno prossegue interagindo com a máquina, em uma jornada quase autônoma de aprendizagem, e buscando a sua habilitação em determinada área ou conhecimento.
Onde fica o professor nesta história?
Esta é a principal pergunta a ser feita quando abordamos o tema da presença digital e da IA na Educação. Dela se desdobram duas outras essenciais: Que tipo de aprendizagem podemos oferecer com a tecnologia, em especial, com a IA? Qual o papel do professor do futuro em um ambiente de aprendizagem mediado por IA?
Sobre o Professor
Faço parte do lado dos educadores que acreditam que jamais a IA substituirá um professor, desde que ele não se deixe reduzir-se a funções que podem sim serem executadas pela IA, como ministrar aulas expositivas, aplicar testes e recomendar conteúdos. Esta hipótese não se aplica a um contexto de aprendizagem em que o professor desempenha o papel de mediação dos saberes, articulada aos contextos socioculturais e individuais de seus alunos.
Nesse sentido, este professor-mediador, num ambiente de aprendizagem digital, manterá o seu valor intrínseco e poderá ampliar as possibilidades de mediação, dada a insuperável capacidade de processamento de informações oferecida pela IA. Com a ferramenta, ele conseguirá disponibilizar um maior repertório de conhecimento, em diferentes formatos e ambientes de aprendizagem, além de personalizar e distribuir feedback formativo entre as partes em larga escala. Em outras palavras, ele poderá oferecer um ensino personalizado mesmo trabalhando em grupo.
De outro lado, os alunos irão adquirir maior protagonismo no processo, ao se envolverem nas oportunidades de feedback com o professor e os seus colegas, bem como nas discussões e na construção de sentidos que tenham implicação com a sua própria história de vida.
Isto já representa uma postura disruptiva em relação ao modelo convencional de ensino, de estrutura linear, onde o professor fala – o aluno escuta, no qual este permanece ocioso, passivo, apenas recebendo conteúdo. No novo paradigma, o aluno, ao ser chamado para um posicionamento mais ativo, assume uma posição de protagonismo e de corresponsabilidade com a própria aprendizagem.
Pesquisas acadêmicas em Educação têm comprovado que há mudança de postura dos alunos quando são estimulados a participar mais, com impactos significativos na sua aprendizagem. Ela beneficia também o sistema escolar, que adquire mais engajamento, além do professor, que passa a ter maior disponibilidade de tempo para cuidar do ambiente sócio emocional da classe e se dedicar a elaborar novos ambientes de aprendizagem.
A estrutura que temos hoje comporta esta mudança?
Ainda não. As instituições devem se preparar para este cenário, não apenas em termos de infraestrutura tecnológica, quanto na habilitação da sua equipe pedagógica, em especial, dos docentes. A IA logo avançará, aprimorando os seus modelos e trazendo raciocínios mais elaborados e modelos avançados de voz e imagem, com impactos ainda mais disruptivos sobre a sociedade e, por tabela, as escolas.
De forma geral, temos que nos preparar para este momento. Existem diferentes possibilidades de uso da IA com amplos benefícios sociais. A sua aplicação mais efetiva se dá quando as pessoas conseguem se apropriar da linguagem da máquina, para criarem soluções relevantes para as suas necessidades. Em minha pesquisa de doutorado, participei de um grupo de aprendizagem ciber-social que desenvolveu uma interface de um software (API), customizando o ChatGPT para ele pudesse gerar feedback formativo em um contexto específico de escrita dos estudantes.
As empresas também estão em busca de utilizar esta tecnologia para as suas finalidades e para isso precisam de mão-de-obra qualificada. Assim, tornou-se um imperativo que as pessoas conheçam as possibilidades da IA e se habilitem a empregá-las. Faço aqui uma comparação singela, mas funcional: da mesma forma que tivemos que nos alfabetizar para nos integrarmos à sociedade moderna (letramento), precisamos agora nos habilitar em novos tipos de linguagem e mediação.
É certo que sobram desafios a esta empreitada. Na Educação, por exemplo, enfrentamos problemas reiterados com a falta de infraestrutura e de mão-de-obra qualificada. Mas sem o domínio dessas instâncias, jamais chegaremos a fazer um uso autônomo das tecnologias mais avançadas e ficaremos restritos à agenda comercial das empresas proprietárias. Quanto mais distantes estivermos do domínio e do conhecimento da tecnologia, maior será a desigualdade social e, por extensão, a educacional.
Formando o Professor do Futuro
A preparação do docente em atividade deve receber o suporte da instituição onde trabalha. Já a formação de novos professores precisa, com urgência, incorporar alguns pontos que proponho a seguir para uma discussão mais aprofundada (sintam-se à vontade para se colocarem):
- É essencial oferecer aos formandos (nos cursos de graduação em Pedagogia ou de licenciatura nas diversas áreas do conhecimento) novos paradigmas com os quais eles possam se posicionar no mundo contemporâneo;
- Dentro desses novos paradigmas, é preciso derrubar a ideia de que o professor representa a única autoridade epistêmica na relação de aprendizagem. Isso implica em reconhecer e aprender a trabalhar com os conhecimentos que os alunos trazem de seus contextos de vida, além de reconhecer e saber trabalhar com os conhecimentos que estão distribuídos na Web;
- Os estudantes que estão se preparando para atuarem como professores devem já experimentar as possibilidades didáticas da Inteligência Artificial. Elas são tecnologias de escrita e, nos cursos de formação, espera-se que os futuros professores escrevam para aprender. Escrever com essa tecnologia envolve processos cognitivos diferentes daqueles que ocorrem na escrita convencional;
- O professor em formação deve experimentar essa tecnologia e, ao mesmo tempo, dispor de letramento crítico para avaliar o seu funcionamento e resultados.
O objetivo é que ele se credencie para atuar em uma nova realidade educacional, de mais qualidade e diversidade, inclusiva e crítica.
(Edição: Rosali Figueiredo)