ANÁLISE DE DISCURSO: conceitos, definições e princípios para a prática analítica.

ANÁLISE DE DISCURSO: conceitos, definições e princípios para a prática analítica.

PARTE I

1. O discurso deve ser analisado a partir da rede de memória e do trajeto social em que tem origem (cf. PÊCHEUX, 1995, 1997, 1999; ORLANDI, 1999).

2.  Analisar a rede de memória e o trajeto social em que o discurso tem origem requer que o analista considere a possibilidade de (des)estruturação –reestruturação dessa rede e desse trajeto. É importante ter em mente que as filiações históricas possam se organizar em memórias e as redes sociais em redes de significantes (cf. PÊCHEUX, 1997, 1999; ORLANDI, 1999, BRANDÃO, 1995).

3. É preciso, assim, considerar o interdiscurso. Analisar interdiscurso é fundamental para se compreender “(...) o funcionamento do discurso, a sua relação com os sujeitos e com a ideologia” (ORLANDI, 1999, p.32).

4. O analista de discurso considera, reconhece, valoriza, relata e descreve detalhadamente as condições de produção do discurso, tanto as condições restritas quanto as condições amplas de produção discursiva.

5. Pêcheux nos ensina que os momentos de interpretação são atos que surgem com tomadas de posição. Essas tomadas de posição são concebidas por Pêcheux(1999) como gestos de interpretação, sempre marcados pela história, pela ideologia e pelo inconsciente. Dito de outra forma, o próprio analista de discurso não escapa ao gesto de interpretação, não é isento a ele.

6. Os discursos, conforme nos ensinam, Courtine e Maradin (1981, p. 28), “se repetem, ou melhor, há repetições que fazem discursos. Ou, ainda, como bem destaca Serrani (1993, p.47), “(...) as paráfrases ressoam significativamente na verticalidade do discurso e concretizam-se na horizontalidade da cadeia, através de diferentes realizações linguísticas”.

7. Os sentidos são produzidos por sujeitos inscritos na história, num processo simbólico duplamente afetado pelo inconsciente e pela ideologia. Apesar de o papel do sujeito ser determinante na constituição dos sentidos, esse processo “(...)escapa ao seu controle e às suas intenções” (RODRIGUES, 1998, p.47-48).

8. O discurso é um objeto histórico, cuja materialidade específica é a língua, que é desconstruída pela análise do funcionamento discursivo, oferecendo múltiplas, inusitadas possiblidades de interpretação.

9. O discurso mantem sempre relação com outros discursos, possíveis, impossíveis, imaginados, censurados, interditados.

10. De acordo com a perspectiva discursiva, é impossível separar a constituição do sujeito da constituição de seu discurso (cf. PÊCHEUX e FUCHS, 1975).

11. O discurso produz sentidos em relação às posições-sujeito, isto é, em relação às formações ideológicas em que essas posições se inscrevem. “Qual posição pode ser ocupada, sob certas condições, por indivíduos diferentes” (FOUCAULT, 1969, p. 113).

12. O sujeito se constitui pela dispersão e pela multiplicidade de discursos e, ao enunciar, o faz ocupando várias posições.

13. O sujeito não constitui a consciência que fala. Ele, o sujeito, se constitui na relação com o outro-Outro.

14. O sujeito não é o centro e origem de sentido, lembram Pêcheux e Fuchs(1975), uma vez que ele situa o discurso em relação ao discurso do outro.

15. Pêcheux (1975) retoma o conceito de formação discursiva, formulado por Foucault (1969) e o associa à noção de ideologia, incluindo aí a concepção de luta de classes. Segundo Pêcheux (1975, p. 60), FD é “(...) aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada, numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito” (itálicos originais do próprio Pêcheux). Qual (ais) formação (ões) discursiva(s) circula(m) no(s) discurso(s) em análise?  Em que (ais) formação (ões) discursiva(s) inscreve-se o sujeito e o seu discurso em análise?

16. Uma formação discursiva se inscreve em diversas formações ideológicas e suas fronteiras se deslocam em função dos jogos de luta ideológica.

17. As formações ideológicas comportam uma ou várias formações discursivas interligadas.

18. Na forma-sujeito, o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia (ALTHUSSER, 1970). Todo indivíduo social só pode ser agente de uma prática, se se revestir da forma-sujeito. A forma –sujeito, de fato, é a forma de existência histórica de qualquer indivíduo, agente das práticas sociais (ALTHUSSER, 1978, p. 67).

19. A forma-sujeito constitui o funcionamento imaginário do sujeito, e também designa a forma de sujeição que um indivíduo assume ao realizar a incorporação –dissimulação dos elementos do interdiscurso.

20. A formação ideológica (...) fornece “a cada sujeito” sua “realidade”, enquanto sistema de evidências e de significações percebidas-aceitas-experimentadas (PÊCHEUX, 1975, p. 162). (itálicos do próprio Pêcheux).

21. A ideologia é um mecanismo imaginário através do qual coloca-se para o sujeito, conforme as posições sociais que ocupa, um dizer já dado, um sentido que lhe aparece como evidente, isto é, natural, é “normal” para ele enunciar daquele lugar.

“É a ideologia que fornece as evidências pelas quais todo mundo sabe o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc., evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado queiram dizer o que realmente dizem e que mascaram, assim, sob a transparência da linguagem. Aquilo que chamaremos o caráter material do sentido das palavras e dos enunciados” (PÊCHEUX, 1988, p. 160).

22. Quando falamos em discurso, portanto, estamos nos reportando a um dos aspectos materiais da ideologia, ou seja, no discurso se dá o encontro entre língua e ideologia (ORLANDI, 1999, p 46).

23. O sujeito se imagina uno, fonte do dizer e senhor de sua língua; do mesmo modo, parece-lhe normal ocupar a posição social em que se encontra. “O funcionamento ideológico provoca muitas ilusões: apaga-se para o sujeito o fato de ele entrar nessas práticas histórico-discursivas já existentes” (MARIANI, 1998, p. 25).

24. O imaginário faz necessariamente parte do funcionamento da linguagem. Ele não “brota” do nada, segundo Orlandi (1999). Assenta-se no modo como as relações sociais se inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa por relações de poder, explica-nos a citada autora. A imagem que temos de um médico, de um professor, de um operário não vêm do nada.

25. Outra noção imprescindível na AD é a noção de metáfora, que, nessa perspectiva, não é considerada, como na retórica, como figura de linguagem. A metáfora é definida como “(...) uma palavra por outra” (ORLANDI, 1999, p.44). Na perspectiva discursiva, ela significa basicamente “transferência”, estabelecendo o modo como as palavras significam” (ORLANDI, 1999, p. 44).

26. Todo discurso se faz assim entre a paráfrase e a polissemia. A paráfrase, que é o retorno a dizeres sedimentados, está ao lado da estabilização. Na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação. Cabe ao analista de discurso observar o funcionamento da tensão paráfrase-polissemia (cf. Orlandi, 1983, 1988, 1999, 2001, 2005..... 2017).

27. Compreender o silêncio é fundamental em uma análise discursiva. Compreender o silêncio é, pois, explicitar o modo pelo qual ele significa, ou seja, não é atribuir-lhe um sentido metafórico em sua relação ao dizer, o que significa traduzir o silêncio em palavras, mas é conhecer os processos de significação que ele põe em jogo, é conhecer os seus modos de significar.

28. O pressuposto teórico central da AD encontra-se nas definições de discurso-efeito de sentidos (e não transmissão de informações) entre interlocutores-e de discursivo-processo social cuja especificidade reside no tipo de materialidade de sua base, a saber, a materialidade linguística (PÊCHEUX, 1990 e PÊCHEUX e FUCHS, 1990, respectivamente). No que diz respeito à discursividade, é preciso acentuar a presença do histórico- “ (...) entendido aqui não como cronologia ou evolução, mas sim como historicidade, isto é, produção simbólica ininterrupta que na linguagem organiza sentidos para as relações de poder presentes em uma formação social, produção esta sempre afetada pela memória do dizer e sempre sujeita à possibilidade de rupturas no dizer-como um dos elementos constitutivos dos processos sociais e, por conseguinte, constitutivo da materialidade linguística” (MARIANI, 1998, p. 24).

29. Compreender o que é efeito de sentidos entre interlocutores, tal como postula Pêcheux (1975) é compreender que o sentido não está alocado em lugar nenhum, mas se produz nas relações: dos sujeitos e dos sentidos.

30. A AD é, enfim, uma relação com a linguagem (ORLANDI, 1992).

Elaine Assolini

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