A ANGÚSTIA DOS VESTIBULARES

A ANGÚSTIA DOS VESTIBULARES

Ah, os temidos exames vestibulares! Do fim de outubro a meados de janeiro, não se fala de outra coisa. Quem trabalha no Ensino Médio ou conhece candidatos às concorridas vagas para o Ensino Superior sabe como esses meses são angustiantes para os envolvidos direta ou indiretamente – estudantes, parentes e professores.

O termo “vestibular” tem origem latina, vestibulum, e designava o espaço de entrada dos prédios e casas, onde se deixavam os aparatos para enfrentar a rua. A saída da casa, a entrada para a sociedade.

Tornou-se obrigatório em 1911, quando era realizado em duas etapas, sendo uma escrita, dissertativa, e a segunda oral. Além dos conhecimentos trabalhados durante o Ensino Básico, eram cobrados conhecimentos basilares específicos da faculdade pretendida. Daí a necessidade de um curso preparatório, os famigerados “cursinhos” pré-vestibular. Se hoje tal mecanismo nos parece injusto, fica a certeza de que sempre o foi.

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), em seu Capítulo IV – Da Educação Superior, estabeleceu que as instituições podem organizar seus exames de admissão de forma independente, materializando o que já ocorria. Cada um ao seu estilo, FUVEST (USP), VUNESP (UNESP), COMVEST (UNICAMP) desafiam as habilidades e competências do estudante com estilos diferentes de prova, demandando preparações específicas. Há quem veja nisso um fator interessante, de ‘riqueza’ de abordagens. Riqueza que, em geral, favorece ricos!  Mas, claro, sempre há exemplos de abnegação, em que estudantes desfavorecidos, com muito esforço próprio – e muitas vezes dos pais que se desdobram para pagar por preparação – servem de exemplo do que se gosta de chamar ‘meritocracia’. Não seria usar exceções como se fossem regra?

Pois bem, sejam ricos, pobres ou ‘esforçados’ – palavra que encampa sentidos pejorativos horríveis –, fato é que esta época traduz-se em angústia, pois, além de conhecer, é preciso saber a maneira específica de cada exame, como responder, que temas aprofundar, o que se espera em cada proposta de redação, etc.

Provavelmente o(a) leitor(a) pensa: mas se você sabe o conteúdo, saberá responder qualquer prova de qualquer estilo. Quem dera fosse assim! São tantas especificidades... mas aqueles poucos que ‘arrebentam’ em todas, que passam onde quiserem vão servindo para alimentar o mito. Novamente, são exceções!

Essa miríade de estilos e conteúdos faz parte do que o filósofo francês Michel Foucault, em seu “A Ordem do Discurso” (2009), chamou de procedimentos de controle e delimitação do discurso e, por  conseguinte, do poder. Entrar na ordem do discurso do Ensino Superior requer uma qualificação, passar pelo ritual da palavra que delimita e classifica quem poderá ou não falar da posição de estudante da USP, UNESP, UNICAMP, ITA...

Quando o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM nasceu, tinha como objetivo ser um exame qualificativo do Ensino, não dos ‘ensinados’, portanto, não sendo classificatório. Tentava ser menos compartimentado, mais contextual e fazer as diversas disciplinas dialogarem. Porém, a partir de 2009 passou a ser um exame vestibular, o maior deles, definindo além de acesso a instituições públicas, a possibilidade de bolsas (ProUni) e financiamentos (FIES) em faculdades privadas.

Assim, o ENEM vestibularizou-se! Tornou-se mais um ‘estilo’ de prova entre outros, como afirmam estudos como os de Barros (2014), Santos (2011) e Santos e Cortelazzo (2013). Mas há um bebê a ser salvo nessa água suja.

O ENEM ainda é mais democrático, seja pelo valor de sua inscrição, seja pelo número insuperável de vagas em instituições diversas, sem precisar muitas vezes deslocar-se para locais de prova distantes. Para se ter a noção da grandeza do Exame, enquanto a FUVEST 2018 tem 137.581 candidatos inscritos, a UNICAMP 83.779, o ENEM teve 6,7 milhões!

Conforme Barros (2014), há vários fatores relacionados ao sucesso nos vestibulares, como a autoestima, controle emocional, além do preparo disciplinar. A tendência parece ser uma unificação das provas nesse sistema. É preciso pensar: o que ganharíamos e o que perderíamos? A quem favoreceria? Como ficaria a prova? Como fica a questão diante dessa obscura Reforma do Ensino Médio?

Voltando à metáfora do início, para diminuirmos tal angústia, parece mais racional ter apenas um vestíbulo de passagem, do que um edifício (do Ensino Superior) com quatro ou mais entradas diferentes.

E você, o que pensa sobre o assunto?

 

Enio Soares

Elaine Assolini

REFERÊNCIAS

BARROS, Aparecida da Silva Xavier. Vestibular e Enem: um debate contemporâneo. Ensaio: aval.pol.públ.Educ., Rio de Janeiro ,  v. 22, n. 85, p. 1057-1090,  Dec.  2014. Available from <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362014000400009&lng=en&nrm=iso>. access on  20  Nov.  2017.  https://dx.doi.org/10.1590/S0104-40362014000400009.

BRASIL. Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 de dezembro de 1996. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm> Acesso em 05 jan. 2013.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 19 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009.

SANTOS, Jean Mac Cole Tavares. Exame Nacional do Ensino Médio: entre a regulação da qualidade do Ensino Médio e o vestibular. Educ. rev.,  Curitiba ,  n. 40, p. 195-205,  June  2011 .   Available from <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602011000200013&lng=en&nrm=iso>. access on  20  Nov.  2017.  https://dx.doi.org/10.1590/S0104-40602011000200013.

SANTOS, Julio Sergio dos; CORTELAZZO, Ângelo Luiz. Os conteúdos de biologia celular no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM. Avaliação (Campinas),  Sorocaba ,  v. 18, n. 3, p. 591-612,  Nov.  2013 .   Available from <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-40772013000300005&lng=en&nrm=iso>. access on  20  Nov.  2017.  https://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772013000300005.

Compartilhar: