A ARTE E O FAZER PEDAGÓGICO NO CONTEXTO ESCOLAR

A ARTE E O FAZER PEDAGÓGICO NO CONTEXTO ESCOLAR

Projete em sua mente a instituição educacional brasileira em seu pleno funcionamento, sua estruturação pragmática, burocrática, polarizada e atravessada ideologicamente pelos dizeres da sociedade mercantilista vigente, a sua relação política e pedagógica para com os alunos presentes em sala de aula e questione: existe arte no contexto escolar contemporâneo?

Indagar a presença, ou a ausência, de um trabalho pedagógico artístico em sala de aula é de suma importância para a reflexão sobre o que constitui e define a arte, enquanto elemento de deveras valia na realidade do sujeito em desenvolvimento, dentro de qualquer estrutura sócio-política.

A instituição educacional tem por princípio a ampla contribuição para a formação da identidade do educando no âmbito social e é através desta relação que o sujeito é capturado pelos efeitos de sentidos reverberados e reafirmados sócio historicamente sobre a sua posição, a sua função, a sua relevância para com o sistema ideológico em exercício.

Para constituir alunos formadores de opinião é necessário um planejamento pedagógico rigoroso, que aborde a identificação ampla do sujeito, de sua subjetividade e especificidades; Tal planejamento de aula requer, necessariamente, conhecimentos aprofundados sobre educação, política, história e constituição humana. O educador precisa, impreterivelmente, da formação continuada para poder contribuir na plena formação do aluno enquanto um ser complexo e essencial, desta forma conceber-se como um sujeito orgânico e em constante transformação física, emocional e histórica, é ir ao encontro com o objetivo de lecionar para transformar.

As artes foram e são mecanismos desestabilizadores e transformadores da sociedade, utilizar de recursos artísticos em sala de aula é explorar o âmago do sujeito, a sua história, sua essência, as suas vivências, conscientes e inconscientes, memórias, contextos sociais, posições de interpretação, enfim, a presença da arte na escola é considerar a heterogeneidade humana, a sua subjetividade e singularidade. Trabalhar com interações artísticas consiste em cindir, desconstruir o aluno e capturar, ressignificar todos os sentidos que são produzidos e circulados nessa dinâmica, essencialmente humana.

Matin Heidegger diz em seu livro A Origem da Obra de Arte que a arte é um mecanismo de escape, o qual não advém do preestabelecido, do já existente, do óbvio; na verdade ela é a quebra da trivialidade humana. “O que a arte funda não pode nunca ser contrabalançado nem compensado através do já existente, do disponível. A fundação é um exceder, uma doação.” (HEIDEGGER M., 1977[2010], P. 191).

Dizer-se professor de artes, ou um educador das artes, é indispensavelmente posicionar-se a par da discrepância sócio-política entre o culturalismo advindo da indústria da cultura e a arte enquanto ente, é saber que ensinar as artes é completamente possível, ou melhor, necessário, indissociável, indispensável para a formação humana. É compreender que arte não é elitismo, pelo contrário, elitista é a cultura massificada, a qual existe exclusivamente como um bem lucrativo, enfim é opor-se a admitir a naturalização da “semiformação” na educação formal brasileira.

 De acordo com o filósofo alemão Theodor Adorno, o não oferecimento de uma educação formadora de opinião e criticidade propicia ao aluno uma “semiformação”, ou seja, quanto mais o educando estiver submetido a um contexto escolar banal, menor será a probabilidade de reconhecer, indistintamente, suas identidades e posições na sociedade contemporânea. Na opinião do autor, o sistema educacional vigente distanciou-se de seu principal objetivo, o de educar para promover a autonomia plena do pensar e do refletir, após centralizar-se na preconização da cultura massificada em prol de uma educação comercial.

A referida formação adorniana, segundo o livro Educação e Emancipação, considera que é por “intermédio de uma oferta formativa bastante diferenciada e múltipla em todos os níveis, da pré-escola até o aperfeiçoamento permanente” que se possibilitará o desenvolvimento da emancipação em cada indivíduo. (ADORNO, 1971[1995], p. 170).

Ser um professor de artes é contestar as metodologias, os recursos, as referências, é questionar as obras de arte, é provocar o aluno, é trazer possibilidades para que diferentes efeitos de sentido e interpretações diversos se instaurem na sala de aula, é projetar-se enquanto interlocutor imprescindível e indissociável à formação sócio-política do sujeito como um elemento significativo, influenciador e transformador na sociedade. Em outras palavras, lecionar é uma arte.

Como bem esclarece o poeta Fernando Pessoa em sua obra Livro do Desassossego: “a arte é a expressão intelectual da emoção, distinta da vida, que é a expressão volitiva da emoção. O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte.” (PESSOA F., 2011, p. 232)

 

Angélica Müller Trevilato

Prof.ª Dr.ª Elaine Assolini

 

 

Referências:

ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Editora Paz e Terra, 1971[2011].

HEIDEGGER, M. A Origem da Obra de Arte. Biblioteca de Filosofia Contemporânea. Ed: Edições 70, lda. 1950[2010].

PESSOA, F. Livro do Desassossego. Editora Companhia Das Letras, 2014.

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